People
Recitamos os fragmentos do poema People encontrados no livro Sociedade sem escolas de Ivan Illich. Os
fragmentos acompanham a procura de Illich por um nome para se referir aos que
amam mais as pessoas do que os produtos, aos que amam a Terra onde cada um pode
encontrar o outro. Recitamos também o poema completo em sua tradução para a
língua inglesa encontrado no Poem hunter:
Ninguém é desinteressante.
Seu destino é semelhante à crônica dos planetas.
Nada há nele que não seja particular,
cada planeta é diferente de outro.
E se uma pessoa viver na obscuridade,
fizer seus amigos nesta obscuridade,
a obscuridade não é desinteressante.
para cada um seu mundo é privado,
e neste mundo um excelente minuto,
e neste mundo um trágico minuto,
estes são privados.
¿!
No people are
uninteresting.
Their fate is like the chronicle of planets.
Nothing in them is not particular,
and planet is dissimilar from planet.
And if a man lived in obscurity
making his friends in that obscurity
obscurity is not uninteresting.
To each his world is private
and in that world one excellent minute.
And in that world one tragic minute
These are private.
In any man who dies there dies with him
his first snow and kiss and fight
it goes with him.
There are left books and bridges
and painted canvas and machinery
Whose fate is to survive.
But what has gone is also not nothing:
by the rule of the game something has gone.
Not people die but worlds die in them.
Whom we knew as faulty, the earth's creatures
Of whom, essentially, what did we know?
Brother of a brother? Friend of friends?
Lover of lover?
We who knew our fathers
in everything, in nothing.
They perish. They cannot be brought back.
The secret worlds are not regenerated.
And every time again and again
I make my lament against destruction.
Their fate is like the chronicle of planets.
Nothing in them is not particular,
and planet is dissimilar from planet.
And if a man lived in obscurity
making his friends in that obscurity
obscurity is not uninteresting.
To each his world is private
and in that world one excellent minute.
And in that world one tragic minute
These are private.
In any man who dies there dies with him
his first snow and kiss and fight
it goes with him.
There are left books and bridges
and painted canvas and machinery
Whose fate is to survive.
But what has gone is also not nothing:
by the rule of the game something has gone.
Not people die but worlds die in them.
Whom we knew as faulty, the earth's creatures
Of whom, essentially, what did we know?
Brother of a brother? Friend of friends?
Lover of lover?
We who knew our fathers
in everything, in nothing.
They perish. They cannot be brought back.
The secret worlds are not regenerated.
And every time again and again
I make my lament against destruction.
Yevgeny Yevtushenko
Nossos mitos por N.E.P. – uma tentativa
![]() |
Capa do livro O homem e seus símbolos de C. G. Jung |
Por que, então, privar-nos de
crenças que se mostram salutares em nossas crises e dão um certo sentido a
nossas vidas?
Jung, idem
Pensamos, às
vezes, que os mitos antigos não passam de atraso e de mentiras. No entanto,
eles ajudavam os antigos a encontrarem sentido em suas vidas.
Hoje não mais
acreditamos nos velhos mitos. Acreditamos
que não temos mitos. Com nossos ouvidos tampados por fones,
repetimos em alto e bom som que tudo não passa de um grande absurdo. Tentamos
construir nossa estabilidade colocando suas fundações justamente no abismo de
fumaça, cada vez mais fundo e cada vez mais esfumaçado pelas nossas decepções,
conectadas à roda da produção.
Decepcionados
com uma escola que não existe, com uma saúde que não temos, com uma vida que
não escolhemos, com uma paz impossível, com tudo que nunca atingimos, com nada
que seja o bastante, com qualquer coisa que nunca acontece.
Decepcionados,
porém consolados. Fomos Conscientizados de que fazemos parte da Maioria
(escrita com o mesmo M maiúsculo da Grande Mãe, da Matriz, de Maya, Matéria,
Mercadoria).
Desconfiemos de nossas constantes
decepções.
Tenhamos a
coragem do agir poético, do agir criador – desconfiemos de nossas constantes
decepções.
Conscientizar alguém de algo é
colocar um quadrado dentro de um quadrado, dentro de um quadrado...
fazendo um quadrado cada vez maior. Mas
talvez a ação poética esteja na quadratura do círculo, na tomada de consciência (e não na conscientização) de um todo natural.
Estamos tentando visualizar um todo
através de Nossos Estudos Poéticos.
Estamos tentando visualizar um todo através das tesselas com que compomos este
mosaico. Estamos tentando visualizar este todo através dos fragmentos com que
compomos este mosaico – intuindo, vendo, estudando, criando, conhecendo nossas
linguagens, nossas palavras, lendo, recitando, participando dos acontecimentos,
tentando.
Cada tessela é importante porque cada
tessela é uma parte do todo. O todo não é uma maioria de tesselas. A maioria sobrepondo-se à minoria não
forma téssera alguma. A téssera do mosaico é cada parte linkada ao todo.
É cada parte visível ligada a um todo invisível.
O tesouro no céu
Nossos mitos por N.E.P.
A Maioria é uma realidade? A Conscientização é
uma realidade?
Cobrimos a
verdade dos números com estatísticas. Aprisionamos a beleza das letras em
discursos. Separamos as tésseras.
Ficamos perplexos. Caímos em contradição.
Mitos são
símbolos dramatizados. Símbolos que dão vida a pessoas e sociedades, que nutrem,
que nos enviam respostas nos momentos de crise.
Talvez tenhamos perdido as chaves
para o entendimento dos mitos criados pelos antigos. Talvez não mais
consigamos ouvir o que eles tinham a nos dizer hoje.
Mas talvez possamos ouvir, ao menos,
os mitos que nós mesmos estamos criando. Talvez possamos ver os
mitos com que hoje cobrimos nossa realidade. Talvez possamos compreender os
dramas que hoje vivemos. Talvez queiramos nos perguntar por que vivemos o drama
de mitos que não nos trazem respostas, de mitos que sequer nos trazem
perguntas.
Um mito nunca
é mudo. Um mito nunca está em
silêncio. Se há algum absurdo, este vem de nossa própria surdez.
Quanto vale um manuscrito?
Recitando fragmentos do livro Dogma e Ritual da Alta Magia, comprado
na Livraria Francisco J. Laissue no
Mercado das Flores, depois de uma ótima conversa com o querido livreiro:
A palavra mais sublime não é ouvida nos nossos dias, se não for
produzida sob a garantia de um nome, isto é, de um sucesso que representa um
valor material. Quanto vale um manuscrito? O que vale, na livraria, a
assinatura do autor.
Eliphas Lévi (1854)
Flor posta – autor desconhecido
Quem postou aquela flor naquela
mão?
Quem postou ali
(silenciosa e exatamente ali)
uma flor?
Ao redor as piras estão acesas,
as cinzas correm com o rio,
chovem as monções,
o templo está erguido,
os devotos acompanham o ritmo.
Quem postou uma única flor
na mão que já carregou uma alta
montanha?
Quem postou uma flor
naquela mão posta
nas alturas do coração?
Quem postou uma flor
na mão do Filho do Vento
para que dela viajantes fizessem
como aranhas e abelhas
pensamentos,
palavras,
teias?
Quem postou
foi para isso mesmo que postou?
Quem postou ali o símbolo
que grifa o silêncio?
Quem postou –
foi a própria Sabedoria
ou alguma outra autoria
que nos é desconhecida?
Nossos mitos por Reimer
![]() |
Fonte: Diário de Teresina (www.diariodeteresina.com.br) |
5. A igualdade de oportunidade – todo homem pode alcançar o que a sua ambição
lhe ditar e sua capacidade o permitir.
6. A liberdade – todo homem
tem certos direitos inalienáveis.
7. A eficiência – o homem
moderno já solucionou seus problemas de produção através de uma eficiente
organização.
Obs: ele também cita o mito do progresso – nossa situação está melhorando e tende a
continuar assim.
Consideremos os rituais que perpetuam nossos mitos.
Consideremos a escada social que
todos os dias tentamos subir, de grau em grau, na ilusão de chegar a um topo
onde estão os que não precisaram subir todos os degraus.
Consideremos nossos processos democráticos: as eleições, as
manifestações, os protestos, as publicações inflamadas, as declarações
indignadas, as revelações da mídia, as investigações legislativas.
Consideremos a pesquisa que busca
continuamente novos conhecimentos, novas técnicas, novas descobertas e
invenções.
Consideremos nossa atividade ritualizada. Estamos tão ocupados com nossos
cursos, nosso aprimoramento, nossas atividades culturais, nossa informação, nossa
prática de exercícios físicos, nossa alimentação, nossa aparência, nosso
trabalho voluntário, nossa responsabilidade social, que nem podemos sequer considerá-la (clique na tabela acima para ampliá-la).
Consideremos a regularidade disso
tudo. Consideremos a repetição,
a invariabilidade, a sequência e a organização disso tudo. Consideremos a
estereotipia, a redundância de conteúdos, a convencionabilidade e a conveniência
disso tudo. Consideremos a liturgia, a função pública de tudo isso.
Não consideremos o consumo. Consideremos o consumo
competitivo e seu aspecto em três dimensões: o consumo competitivo é um Direito,
é um Dever e é um Desejo. Consideremos as três dimensões do consumo competitivo
acorrentando-nos à roda da produção incessante.
Aranha
E com seus versos líquidos, a
aranha traça seus caminhos.
A aranha constrói a teia com uma parte do corpo que se chama fiandeira. Dos
tubos da fiandeira sai uma substância líquida que endurece e se transforma em fio
de seda quando em contato com o ar.
A teia pode funcionar como guia para a aranha. Ela deposita um fio em determinado lugar e se põe a andar. Caso se perca, pode por ele voltar, como se fosse um caminho.
De acordo com o Dicionário de Símbolos, a teia de aranha representa a beleza da criação, o véu de Maya
– realidade ilusória ou realidade existente. E Maya é a xácti de Varuna, senhor
das águas. Nas Upanishads, a aranha
que se eleva ao longo de seu fio é um símbolo de liberdade. O fio do iogue é o
monossílabo om. O fio da aranha
(o caminho que começa dentro dela mesma) é o meio de realização espiritual.
De onde a aranha tira o seu veneno... As aranhas venenosas não
fazem teias. A exceção à regra é a Aranha Marrom, cuja teia irregular
lembra um chumaço de algodão. Teias bonitas não são tecidas por aranhas peçonhentas.
De onde a aranha tira o seu veneno... Foi encontrada em nossa
época por cientistas dos EUA uma aranha que
se alimenta do néctar das flores. Seu nome, bagheera Kipling,
é inspirado na personagem Bagheera, a pantera de O Livro da Selva, escrito por Rudyard Kipling. Essa aranha se
alimenta de Baldi, o néctar das acácias.
Nossos mitos por Illich
![]() |
Capa de Ziraldo para o livro Sociedade sem Escolas Fonte: www.ebah.com.br |
“Também nós acreditamos no Estado da Providência, na paz universal, na
igualdade do homem, nos seus eternos direitos humanos, na justiça, na verdade e
(não o proclamemos alto demais) no Reino de Deus sobre a Terra.”
Carl G. Jung, em O homem e seus símbolos (1964)
Nossos mitos segundo Ivan Illich (1970):
1. O consumo interminável –
tudo que é produzido tem valor e é necessário.
2. A mensuração de valores – tudo pode ser medido.
3. Os valores empacotados –
tudo pode ser embalado em significados planejados e oferecido em um pacote.
4. O progresso autoperpetuável – tudo é um não acabar de algo.
A imaginação pode ser medida, a
criação pode ser medida, a vida pode ser medida, o ser humano pode ser medido.
Em tempo ou dinheiro. Tanto
faz, já não há diferença porque sempre curtimos. Medimos e contamos
amizades, amores, conquistas. O imensurável é uma ameaça.
Se a propaganda tornar
vendável a um número de pessoas que justifique o custo da produção e se nós adaptarmos os nossos desejos à venda e se não nos sentirmos culpados de nossas ações não
contemplarem as pesquisas de mercado, então
tudo pode ganhar uma
embalagem – a saúde, o veneno, a
educação, a segurança, a violência, o medo, a solidariedade, a fome, a
felicidade...
Uma embalagem atrás da outra, uma
viagem atrás da outra, uma massagem atrás da outra... infinitamente. Relaxamos acendendo cigarros em outros cigarros, como se
virar fumaça fosse a tendência de tudo. A guerra é uma infinita luta pela paz,
a greve é uma infinita luta por salários, infinito abismo coberto por infinitas
cortinas de fumaça.
A esperança é substituída pela
expectativa. Não nos surpreendemos porque esperamos sempre o mesmo. Ou o novo. Tanto faz, já
não há diferença porque sempre
curtimos. As responsabilidades são transferidas e só há coragem para assumir o
que já combinamos que pode ser aceito ou tolerado. Olhamos apenas para o que já
foi feito, a fim de que possa ser feito de novo. Consultamos índices ou nos
comparamos aos outros para que não percamos as nossas próprias referências.
O símbolo dramatizado e o símbolo arquetípico
Um mundo de símbolos vive em nós. E o mundo fala através do
símbolo.
O símbolo é bem mais do que palavras, bem mais do que imagens
significativas.
O mito é a transposição dramatúrgica de arquétipos, esquemas e símbolos,
é um símbolo
dramatizado.
Orienta a ação humana pela estrutura interna.
Os Arquétipos são protótipos de conjuntos simbólicos, que constituiriam uma forma de estrutura.
Essa mesma estrutura pode gerar várias imagens conforme época, local,
sociedade, etc.
O símbolo arquetípico liga o individual e o universal.
Abelha
Quem tirou da raiz da própria palavra o nome da abelha vendo nela
a figuração do Verbo? Em hebraico, de acordo com nosso Dicionário de Símbolos, dbure
quer dizer abelha e dbr quer dizer
palavra.
Entre as silenciosas obras da flor e do mel, há um voo sonoro. O
zumbido da abelha não é exatamente um canto. O zumbido da abelha é a
grande vibração do ar provocada pelo rápido bater das asas. O movimento das asas em contato
com o ar se transforma em som. E, assim, com seus versos aéreos, a
abelha não apenas
representa a palavra: ela simboliza a poesia.
Autor desconhecido
Viajam os pensamentos pelo tempo. Viajam os pensamentos pelas
mentes. Viajam os pensamentos pelos símbolos.
Diz um provérbio cigano: A
sabedoria é como uma flor, de onde a abelha faz o mel e a aranha faz o veneno,
cada uma de acordo com a sua própria natureza.
Diz o escritor Thomas Draxe: Onde
a abelha suga o mel, a aranha suga o veneno.
Diz o filósofo Friedrich Nietzsche: Os leitores extraem dos livros, consoante o seu caráter, a exemplo da
abelha ou da aranha que, do suco das flores retiram, uma o mel, a outra o
veneno.
Diz Daniel Bueno na letra de um forró: Eu sei que cada um dá o que tem. Aranha dá veneno, abelha dá o mel. Faz
muito mal amor que não convém. Pois quando não é doce o beijo amarga como fel.
Diz um filósofo da época socrática: A abelha extrai o mel do pólen da flor, enquanto a aranha extrai o
veneno.
Viajam pelo tempo e pelas mentes e pelos símbolos pensamentos cuja
verdadeira autoria é sempre desconhecida.
Princípio VI
1.
O homem compreendeu a Natureza –
gerar
herdeiros e lançar sementes...
Sorver sementes, semens
e ovos dourados pela terra,
sorver sementes pelos campos,
nos vincos, nos sulcos,
nos poros da pele,
sorver sementes
nos versos profundos da
terra,
na
língua materna.
Sorver mesmo esse amor passivo,
esse enlace
de duas serpentes no cio.
Essa fusão nuclear
de minúsculos corpúsculos
não vai sucumbir sem sementes lançar.
2.
O homem compreendeu a Natureza
e quis dominá-la:
do amor é
gestação o instinto;
o
casamento, legislação.
Instintos nascem e instintos morrem...
e
têm de gerar amores mais vivos.
Instintos nascem e instintos morrem...
E morrem
casamentos de instintos inférteis...
Improdutivos...
Instintos nascem e instintos morrem...
morrem os
impulsos... os pulsos...
os batimentos latejantes morrem... sem cessar.
3.
... O tempo
sempre apaga
o fogo de qualquer
paixão...
Apaga, paixão, apaga – apaixonada,
devora corações adolescentes,
brota da terra,
desperta as serpentes epidérmicas,
rasteja com desculpas nos dentes
e na boca,
rasteja ardente,
e mastiga o próprio ventre.
Apaga, paixão, apaga – apaixonada,
sufoca com teu corpo
esparramado no chão;
apaga
e
sufoca, pois,
com
tua própria paixão.
... E não chores o fogo
apagado.
O pensamento simbólico
Um mundo de símbolos vive em nós. E o mundo fala através do
símbolo.
Tanto o pensamento simbólico quanto o pensamento racional tendem a
unificar a multiplicidade do real. Só que a razão percebe a relação entre dois
termos conhecidos e o símbolo capta a relação entre um termo conhecido e um desconhecido. Capta uma relação ou um conjunto
móvel de relações entre vários termos.
O pensamento simbólico não procede
pela redução do múltiplo ao uno, mas pela desintegração do uno em múltiplo, para melhor perceber a unidade em
meio à fragmentação.
O símbolo opõe uma força centrípeta a todas as forças centrífugas
das sensações e das emoções, onde a variedade encontra uniformidade em torno de um centro.
O símbolo também investiga, como inteligência indagadora
projetada no desconhecido.
Tende a sugerir o sentido de uma pesquisa e a resposta de uma intuição
incontrolável. Mas também, a sua função é precisamente essa revelação
existencial do homem a si próprio.
Flor posta
FLORES NASCIDAS DE QUE SILÊNCIOS? COLHIDAS POR QUE TRADIÇÃO? POSTAS
POR QUE RAZÃO? OFERTADAS PÉTALAS, OFERTADOS VERSOS: NUNCA É EXATAMENTE ESTE O POEMA QUE FLORESCE NO MEU
PENSAMENTO. É MESMO ESTA A FLOR QUE NASCE EXATAMENTE
EM ALGUM OUTRO PENSAMENTO?
Princípio IV
1.
Ele está gamado nela!
O amor tão antigo das gírias
e dos gestos dos mais velhos.
O amor tão antigo dos gregos,
dos gametas científicos,
masculinos, femininos,
unidos por magnetismo:
parte se alimenta de cópulas
e parte alimenta os instintos.
2.
Dieta de um corpo
dentro do corpo
inclinado ao fervor,
ancestral do epitalâmio,
precursor da epigamia;
células nupciais,
positivas, negativas,
monogâmicas, poligâmicas,
radioativas
como um vulcão de raios-gama
ou derradeiro canhão de artilharia.
Sopra e fala baixo,
fala baixo
aos ouvidos
a língua ácida e sopra
–
lábios trêmulos e escorregadios –
e cospe cinzas, renques de cinzas
em vários corpúsculos
de um corpo
inclinado
ao fervor.
3.
Ela está gamada nele!
E tem fome, e tem sede,
tem febre de sede ardente;
mas tem pra dar de beber
uma fonte que jorra horizontes,
natural como a cachoeira
desvia os viajantes
ou sereias navegantes
assentam quem é nômade,
e finca em terra batida,
mais firme, a haste primeira –
a
coluna primordial
de
um corpo
inclinado
ao fervor.
4.
Ela, que desvia os viajantes,
respira por obeliscos conjugais,
dá voltas e voltas
onde fervem universos
onde em panelas de barro
sopram
universos
nos mais recônditos segredos;
lá, onde seres cansam de acasalar,
de acasalar, casalando,
e casam.
(Pois casar
é criar casa,
casar é
criar um casal).
Casam e cansam,
cansam de tanto trovão,
de chuva, de bicho, de cria,
de herança desprotegida,
e cansam de tudo isso, cansados,
e casam
e tornam mais firme o sexo,
o nexo latejante do impulso:
caçar,
colher, casar
–
eis o teu instinto!
A base,
fundamento e pedra da civilização.
O símbolo e a imaginação
Um mundo de símbolos vive em nós. E o mundo fala através do
símbolo.
O símbolo constitui o centro da vida imaginativa, principalmente na época atual de
dominação da imagem.
A absorção do símbolo (imagem) pelos outros se dá por
transferência imaginária. A imaginação é o canal de assimilação simbólica. Imaginação forte permite a mente
aberta aos símbolos e aos mistérios.
A percepção do símbolo exclui a atitude do simples expectador, e exige uma participação de ator. É próprio da imagem simbólica
permanecer indefinidamente sugestiva; nela, cada um vê aquilo que a própria potência visual permite
perceber. Faltando
intuição, nada de profundo é percebido. A intuição deve ser sintética e simpática, deve partilhar e provar uma certa
visão de mundo afim.
Tessera, completude e antítese
Tessera, completude e
antítese; tomo a palavra não da fabricação de mosaicos, onde ainda é usada, mas
dos cultos de mistério antigos, onde queria dizer um sinal de reconhecimento, o
fragmento, digamos, de uma pequena jarra, que com os outros fragmentos
reconstituiria o vaso. O poeta “completa” antiteticamente seu precursor, lendo
o poema-pai de modo a reter seus termos, mas usando-os em outro sentido, como
se o precursor não houvesse ido longe o bastante.
Harold Bloom, em A Angústia
da Influência – Uma Teoria da Poesia
Princípio III
1.
Herdeiro de outros reinos,
isto que é humano
(como convém chamar),
é
feito da Terra,
de tudo o que se encontra nela;
não coube
uma centelha
de nada que não houvesse
nessa
atmosfera.
2.
Impulso novo,
um sopro composto
de reis,
príncipes e plebeus,
de outros reinos agora distantes.
É pujante herança
divina
esse
gene da terra –
... porquanto és pó
e em pó te tornarás...
Isto que é humano
... é como um de nós...,
diziam os mensageiros,
herdeiros de outros herdeiros;
mas isto
que é humano
incitou-se
a cantar,
incitou-se
a nomear,
a encantar
serpentes,
animou-se
também a matar.
3.
Nutrir-se
não basta a si mesmo.
Nutrir-se, nutrir-se sempre
e mais;
e mais o homem se nutre,
mais se enche de luta,
e
ele animou-se a matar.
Proteger-se é o que deve aprender.
Hospedagem,
abrigo,
e a sedução de um domicílio
esmorece o impulso de saciar-se consigo,
o saciar-se sempre
e mais; e ele animou-se a matar.
Caim
cantava, Caim cantava seu canto,
se protegia, desnutria; se nutria, desprotegia;
Caim
cantava seu canto de desvio –
àquele que mata, há aquele que morre.
Eis o
casamento,
a
mulher seduz o homem!
As imagens simbólicas
Um mundo de símbolos vive em nós. E o mundo fala através do
símbolo.
Existem imagens simbólicas
e não-simbólicas. As expressões que contêm imagens simbólicas vão além da significação.
O símbolo tem a propriedade de sintetizar, numa expressão sensível,
influências do inconsciente e do consciente, de forças instintivas e de forças
espirituais, tanto em conflito ou em vias de se harmonizarem dentro de cada
ser. Ele tem ação individual. Fala a cada homem à sua maneira, mas também cada um escuta de uma
forma particular.
A palavra símbolo se forma do grego, em que o sim- tem sua origem no prefixo syn (que reúne, junto e em companhia
de). Já o radical –bolo vem do verbo ballein
(pôr e jogar). Ou seja, em todo símbolo há um pôr que reúne, que sintetiza. (Blog Travessia Poética)
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