Como trabalham o poeta e o filósofo

           “Na verdade, a quota de atividade reflexiva que se requer não é menor em poesia do que em filosofia, pela simples razão de que o verso não é a experiência, mas a expressão verbal dela [...]”. Segue Olavo de Carvalho descrevendo como é a roupagem com que a experiência do poeta se veste para ser apresentável à comunidade em que vive.
            Ele afirma também que ocorre o mesmo processo na filosofia, “[...] onde as novas intuições devem se adaptar aos processos consagrados de formalização e demonstração, ou então inventar novos...”.
            E respondendo, de certa forma, à pergunta que Einstein fez a Saint-John Perse, indica o trabalho do poeta como sendo a produção de “um análogo moldado”, fruto de uma experiência interna ou externa, cumprindo com esse ofício duas exigências: “a máxima comunicabilidade no vocabulário geral” e “a máxima fidelidade [...] às convenções e tradições de ofício”.
            Olavo fala exatamente sobre a criação do poeta, e isso nos interessa:
           
“O poeta, em suma, cria, através da força analogante das imagens e dos símbolos, uma área de experiência imaginativa comum, onde os indivíduos e mesmo as épocas podem se encontrar, vencendo no imaginário as barreiras que separam fisicamente suas respectivas vivências reais. Assim fazendo, ele não apenas se comunica, mas intercomunica os outros homens. Daí a missão curativa, mágica e apaziguadora, que faz da poesia um dos pilares em que se assenta a possibilidade mesma da civilização: ela liberta os homens da noite animal, do terror primitivo que isola e paralisa. Ela reúne os membros da tribo em torno do fogo aconchegante e os faz participar de um universo comum que transcende as barreiras dos corpos e do tempo. Ela apazigua, reanima e torna possível, aos que eram animais assustados, pensar e agir.”

            No entanto, essa função não se aplica ao filósofo. Por mais que poeta e filósofo tenham princípios coincidentes e meios semelhantes, não possuem os mesmos fins. Para Olavo, o filósofo, “a primeira coisa que faz é voltar as costas à comunidade, para ir perguntar, à experiência [...] até que ela se abra e mostre seu conteúdo inteligível [...] Seu diálogo não é com a tribo. É com o ser”.
            Olavo parece concordar com a coincidência entre poeta e filósofo no momento da descoberta, de iluminação súbita, como também viram Einstein e Perse para o cientista e o poeta. Mas Einstein via que na ciência, após esse momento de quase êxtase, a inteligência analisa e a experimentação confirma a intuição. Olavo vê que na filosofia o raciocínio e a reflexão são a roupagem pós-intuição. Ricardo Reis via, inclusive, uma intuição sobre-humana, daquela que "funda religiões para sempre".
            O poeta começa como o cientista, como o filósofo e como o religioso. Mas seu ofício, técnica e finalidade exigem materiais próprios e exclusivos da poesia.

Confira mais lá com Olavo de Carvalho, em Poesia e Filosofia.