Lição de coisas

Continuando a lição intuitiva...


III

Bem te conheço, voz dispersa
                                               nas quebradas,
Que seria delas sem o apelo
                                               à existência,
e quantas feneceram em sigilo
                                               se a essência
é o nome, segredo egípcio que recolho
para gerir o mundo no meu verso?
para viver eu mesmo de palavra?
para vos ressuscitar a todos, mortos
esvaídos no espaço, nos compêndios?

V

Tudo é teu, que enuncias. Toda forma
nasce uma segunda vez e torna
infinitamente a nascer. O pó das coisas
ainda é um nascer em que bailam mésons.
E a palavra, um ser
esquecido de quem o criou; flutua,
reparte-se em signos – Pedro, Minas Gerais, beneditino
para incluir-se no semblante do mundo.
O nome é bem mais do que nome: o além-da-coisa,
coisa livre de coisa, circulando.
E a terra, palavra espacial, tatuada de sonhos,
cálculos.

Carlos Drummond de Andrade em Reunião: 10 livros de poesia