Compreendo a relação corpo-alma de outra maneira. Também compreendo de outra maneira as ideias de tradição e traição. Mas mesmo discordando da argumentação principal da peça A alma imoral, gostei muito do que vi. E gostei principalmente do fato de poder apreciar a beleza de algo apesar de minha discordância.
Fui assistir à peça a princípio com a intenção de estudar a transformação de um texto não dramático em dramático. A transformação se dá através da relação pergunta-resposta. Clarice reconhece na resposta a uma pergunta dada uma ação dramática. Ela fala inclusive da ação interna que ocorre quando buscamos uma resposta para uma pergunta.
E como essa ação dramática de perguntar e de responder está muitas vezes distante de nosso cotidiano! Ou não perguntamos ou damos às nossas perguntas sentenças que não são respostas.
Toda a peça é uma resposta a uma pergunta feita por outra pessoa. Não precisaríamos uns dos outros para estabelecer essa relação harmônica de questionadores e responsáveis? Se perguntássemos mais aos outros em vez de afirmarmos ou negarmos imperativos, se respondêssemos mais em vez de silenciar ou fingir surdez, como seríamos?
O mundo está o tempo todo a nos perguntar sobre quem somos nós, o que somos. Diz-se na peça que quanto mais intensa é a pergunta, mais se deve procurá-la, não importa onde ela esteja.
Quanto ao meu estudo, o texto não teatral é transformado com os recursos do teatro – com movimento, corpo, luz e som. E também com véu e água. A alma é como o corpo nu, é como um fundo preenchido por música? É escura como um véu ou como um palco? É clara como as luzes? É um movimento do véu em torno do corpo ou do corpo em torno do palco? É transparente como a água bebida invocando pedidos de repetição do texto? É como a palavra que se repete, que se repete, que se repete... sempre de uma forma diferente?
O texto é transformado no próprio palco. Recortado, recombinado. Platéia e atriz mudam o texto. E até meu estudo aparece em uma anedota sobre os que estudam e os que dormem. Pois há aqueles que são mais úteis e honestos dormindo do que estudando. Espero estar sendo, ao menos para mim, mais útil e honesta estudando.
Sobre A alma imoral, encenação de 25 de outubro de 2011 no Teatro Dulcina.