O que é o L. do D.?
Fernando Pessoa: É um livro no qual predominam a inquietação e a incerteza. Uma produção doentia. Um novo gênero de paulismo. Mas tudo fragmentos, fragmentos, fragmentos. Autobiografia sem fatos, história sem vida. Confissões de quem nada tem a dizer. Bernardo Soares, autor do livro, não é um heterônimo, mas uma personalidade literária, uma personagem.
Bernardo Soares: Este livro é um gemido. Escrito ele já o Só não é o livro mais triste que há em Portugal. Livro de expressões sem nexo. Esforço humilde de registrar, como uma máquina de nervos, as impressões mínimas de uma vida subjetiva e aguda. Diário naturalmente artificial. Livro estranho como portões abertos numa casa abandonada. Belo e inútil. Nada ensina, nada faz crer, nada faz sentir. Regato que corre para um abismo-cinza que o vento espalha e nem fecunda nem é daninho. Versos, prosas que se não pensam escrever, mas sonhar apenas. Uma arte outra do que toda a arte havida. Quero ser uma obra de arte, da alma pelo menos, já que do corpo não posso ser.
Richard Zenith: Livro-caos, falta de um centro, o mundo todo reduzido a fragmentos. Obra inacabada e inacabável, vários livros de vários autores. Texto sobre texto sobre texto. A ideia primitiva era a de um livro só de trechos com títulos. Centenas de textos misturados, como pedaços de um puzzle sem desenho reconhecível. Uma edição de peças soltas, arrumáveis ao bom prazer de cada leitor. Leitura sempre fora de ordem. Coisa parecida com um livro.
NEP: Ou a realização de um novo gênero. Versos e prosas que se não pensam escrever, mas sonhar apenas. O gênero Sonhos idealizado por Sá-Carneiro. Ou o fantasma de um blogue possível de ser visto apenas na imaginação do poeta, precursor de qualquer tecnologia. Cada fragmento um post, cada heterônimo um marcador, diário naturalmente artificial, fragmentos, fragmentos, fragmentos, pedaços de puzzle sem desenho reconhecível, arrumáveis ao bom prazer de cada leitor, uma arte outra do que toda arte havida. A visão do fantasma de um blogue poético!