Recitando as águas do amor e do sono
A água, essa filha primeira, nascida da fusão aérea, não pode renegar
sua origem voluptuosa e, na terra, ela se mostra com uma celeste onipotência
como o elemento do amor e da união... Não é em vão que os sábios antigos
procuram nela a origem de todas as coisas... E as nossas sensações, agradáveis
ou não, não são mais, afinal, que as diversas maneiras do escoar em nós dessa
água original que existe em nosso ser. O próprio sono não passa do fluxo desse
mar invisível, universal, e o despertar é o começo do seu refluxo. Só os poetas
deveriam ocupar-se dos líquidos.
Novalis
Versos d’água: o leito, o curso e a cheia
O leito do rio é o verso do rio.
O curso do rio é o verso do rio.
A cheia do rio é o verso do rio.
Versos que não são só o avesso,
que não são só o aço do espelho.
Versos que são também aquilo que verte,
tudo aquilo que verte.
Recitando as águas do rio e o descanso das nuvens
Os rápidos rios,
transbordantes e às gargalhadas, desciam a montanha, de um castanho-escuro na
cheia, rugindo e espumando com ondas brancas de cristais. A água corria pelas
trilhas de pedra, e a terra debaixo delas desapareceu sob as águas. O mundo se
transforma em um lago extravasante, e os montes, em ilhas. Pesadas e escuras, as
nuvens tinham de descansar sobre os altos picos das montanhas e ali pareciam
deitar raízes, e fileiras de garças brancas, voando ao vento molhado, eram uma
guirlanda branca para o céu.
William Buck – O Ramayana
Versos de cansaço: nos enleios do cansaço
Nos enleios do cansaço/ avistei meus versos d’água/ e os olhos com que
os via/ eram seus olhos d’água/ e o espelho onde via meus olhos e meus versos/
era um côncavo espelho d’água/ onde as imagens eram invertidas/ e as linguagens,
versificadas
Versos de Descanso: por trás das plumas
por trás da montanha e da nuvem vertida
por trás do vento, da janela e da cortina
por trás dos ruídos da noite escura
por trás dos sons da noite branca
por trás do livro aberto
e dos olhos fechados
eu leio
as palavras do Descanso
escritas em versos d’água
Versos de cansaço: a roda dos Fatos
Estamos aqui à roda dos Fatos –
aguardando a sua comprovação científica...
Estamos aqui à roda dos Fatos – aguardando que virem
notícia...
Estamos aqui à roda dos Fatos – aguardando nas cidades de
mares aterrados e rios assoreados...
Estamos aqui à roda dos Fatos – onde o ar é seco, a palavra
é seca e os olhos são ressecados...
Mangifera indica – 13/5
13/5 da árvore humana?
Que tinta, que cor, que
sentimento
ele usaria na pintura
dos garranchos dos versos
emaranhados?
E outras seriam as visões da
árvore...
alheia e verde ao que escrevo
silenciosas folhas erguendo
flores de renúncia emanando
mais sensível ao amarelo solar
do que à sua sombra
Um duplo que irei projetar
sobre papéis transparentes
com grafite e bistre
nanquim e azeviche
E as células seriam outras
visões...
É esta mangueira uma célula
tronco
pluripotente, poderia ser várias
unipotente, veio a dar em versos
Células estaminais
tecendo linguisticamente
sutis estruturas
nos sulcos da matéria
E outras seriam as visões da
árvore...
Um verde escuro e frio
estremece nos ramos
estruturando árvores e ventos
armazenando versos e invernos
Versos d’água: mas não sei o que faço
Mas não sei o que faço por aqui... na procura do mundo me perdi.
Mas não sei o que faço por aqui... na leitura do mundo me perdi.
Mas não sei o que faço por aqui... na cultura do mundo me perdi.
Mas não sei o que faço por aqui... nas agruras do mundo me perdi.
Vídeo Versos d'água
Um
moinho e várias voltas. Um sino e vários toques. Uma linha e várias medidas. Um
rio e vários dias. Um movimento e vários ritmos. Um verso e vários pés. Um
poema e vários leitores, vários ouvintes. Uma poesia
e vários poetas. Um blogue
e vários posts. Um mosaico e várias tesselas. Um todo e várias partes. Um
fluido e várias linkagens. Uma língua e vários versos d’água, vários.
Versos de cansaço: sítio de busca
Buscas alfabetos e idiomas onde tudo é símbolo;
e partituras onde a música é a chuva e o rio.
Buscas inscrições tumulares onde o fumo das piras apaga tudo:
estás no lugar errado ou não sabes ainda o que procuras?
Cansaço: nas vizinhanças do sonho
The dream is over.
[O sonho acabou]
God, de John
Lennon
Parece-me, na verdade, que com a aproximação da consciência, o conteúdo
subliminar da psique “se apaga”. O estado subliminar conserva ideias e imagens
a um nível de tensão bem menor do que o que elas possuem quando conscientes.
Definem-se com menor clareza; as suas inter-polações são menos óbvias e
repousam em analogias mais imprecisas; são menos racionais e, portanto, mais
“incompreensíveis”. Esse mesmo fenômeno pode ser observado em todas as
condições vizinhas do sonho, provocadas pelo cansaço, pela febre ou por
tóxicos. Mas se alguma coisa acontece, trazendo maior tensão a qualquer dessas
imagens, elas se tornam menos subliminares e, por estarem mais próximas do
limiar da consciência, mais nitidamente definidas.
Carl G. Jung
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