Sidarta




“Ama as águas! Não te afastes delas! Aprende o que te ensinam!”
Hermann Hesse


Cansado da sede de aprender e do excesso de inteligência. Cansado da busca e do desencontro. Cansado de ter uma meta. Cansado de atribuir antecipadamente significado ao livro do mundo e ao livro de sua própria essência. Cansado de chamar de ilusão o mundo dos fenômenos. Cansado de analisar o mundo, de explicá-lo, de menosprezá-lo. Cansado de comparar o mundo a um mundo imaginário conveniente aos seus desejos egoístas. Cansado da meditação, do pensamento, da espera e do jejum. Cansado de saber as orações, de conhecer as fórmulas mágicas, de ler as escrituras. Cansado de fazer poesia. Cansado de acordar. Cansado de andar rapidamente pela estrada. Cansado de renascer. Cansado de aspirar o ar, de tremer de frio, de tremer de horror. Cansado de saber-se solitário, de procurar seu lugar, de procurar pessoas que falassem a sua língua. Cansado da insensibilidade e da surdez.

Ao pé do rio, o exausto Sidarta ouviu de modo claro o que lhe comunicava o símbolo do curso das águas. Era um segredo especial, algo ignoto, que nunca deixara de aguardar por ele. Encantado pelas águas, Sidarta sabia que quem entendesse seus líquidos arcanos compreenderia todos os mistérios. A água é a voz da vida, a voz do ser.

São muito raras as pessoas que dominam com perfeição a arte ensinada pelo rio – a arte de escutar. Ela ensina que é bom descer, abaixar-se, procurar as profundezas. Ela ensina que tudo é natural, tudo está na mais perfeita ordem. Amar esta ordem, amar este mundo e gostar de fazer parte dele são os nossos limites: reverência, admiração e amor ao mundo, a nós mesmos e a todas as criaturas que contemplamos sem a revolta ansiedade de mudança!