Um exercício poético sobre as águas
para marcar o solstício de verão:
AS ÁGUAS
A mãe é todas as águas do filho.
O filho é todas as águas da mãe.
1.
Saí
do ventre materno, e para lá retornarei.
Para
lá retornarei. Para lá retornarei.
Retornarei,
é certo.
Como
tantas vezes tornei a voltar,
para
lá retornarei.
2.
Sem
medo mergulhei
nesse
imenso oceano
de
leite em que me banhavas,
em
teu leite de jasmim, teu mel.
Pudesse
retornar
às
toalhas quentes dos dias de verão.
Pudesse
retornar às banheiras daqueles dias.
3.
Tuas
lágrimas de orvalho matinal
serenavam
em mim.
Eu
ria desta seiva de licor doloroso
consolando-te
–
era tua medula meu alimento.
Pudesse
retornar
às
risadas que não entendia.
Pudesse
retornar ao colo leve das manhãs.
4.
Lá,
nas águas calmas de meu íntimo balneário,
tão
familiar, lá pelas orlas do teu seio,
nadei
entre as pias batismais, entre os cálices medicinais,
nadei,
nadei, pelas luas todas – mas não lembro.
Pudesse
retornar
ao recôndito,
a esse inextricável cofre.
Pudesse
retornar ao mistério.
5.
Todo
o calor do teu suor florescia tempestades.
Eu
germinava. E sabia correr na chuva,
pisar
forte nas poças, ficar descalço nas ruas.
Germinava
–
como
um cântaro sem margens transborda
de
tanto derramares teu vasto céu.
Minha
seca saliva eram as taças por ti brindadas.
E me
juraste brindar ao sabor desta vida.
Pudesse
retornar
minha
vida a teu relicário.
Pudesse
a vida, minha vida,
ser
um rio sereno de tua cachoeira.
Pudessem
tuas invisíveis cataratas,
a
tua ainda que distante tromba d´água,
pudesse
eu viver sempre em tua maré cheia.
Pudesse
ainda no fim da escadaria
olhar
lá de cima
e
reencontrar o claustro materno.
6.
Retornaremos
ao mar, Mãe, ao nosso ventre materno,
ao
olhar de Maria, Mãe, ao dilúvio, à maré divina,
ao
mar retornaremos, eu e tu, Mãe, retornaremos.
Para
lá retornaremos, é certo.
Para
lá retornaremos. Para lá retornaremos
–
mas quando?