Os gêneros literários – a Questão


A questão dos gêneros literários é uma velha questão. E das questões se criam universos.

O problema é: os gêneros literários realmente existem? E se existem, eles são meramente convenções estabelecidas pelo hábito ou eles são estruturas universais que abarcam toda a possibilidade de criação literária?

Em Welleck & Warren, o tipo literário é uma instituição tal como a Igreja, a Universidade ou o Estado. No entanto, eles não explicam de onde os gêneros vêm.

Massaud Moises diz que os gêneros nascem de uma espécie de imposição natural, de algo como a adaptação do indivíduo ao ritmo cósmico. Mas não explica o que é esse algo nem a relação entre gênero e ritmo cósmico.


A questão


Existem leis ontológicas ou cosmológicas das quais os gêneros são uma extensão, manifestação ou expressão no mundo literário e linguístico, ou simplesmente os gêneros não existem?


A criação


Aplicar ao estudo dos gêneros literários os princípios ontológicos, que são tão velhos como o mundo.


O universo


As leis ontológicas ou cosmológicas existem. Os gêneros existem, da mesma forma que as leis da lógica existem. O fora da lei, por mais que ignore, não invalida a existência da lei.

Os gêneros literários são conjuntos de possibilidades para a organização de obras literárias, e derivam de uma necessidade ontológica. Eles estabelecem os limites das possibilidades da invenção literária, diferenciando-se num certo número de direções e orientações para o desenvolvimento do trabalho.

Eles funcionam como as direções do espaço – quanto mais o núcleo essencial de uma obra é estritamente comprometido com as regras de um gênero, mais difícil será escapar dessas regras ou até combiná-las. Algo como escolher rumar para o Norte, situação em que todos os passos seguintes, para se manterem coerentes e razoáveis, devem seguir essa mesma direção com maior ou menor retidão a fim de atingir o local pretendido.


“Os gêneros literários, a rigor, são realidades arquetípicas:
a dificuldade em ver está no sujeito e não no objeto”
(Os gêneros literários: seus fundamentos metafísicos. O. de Carvalho)


Continua em Os gêneros literários – o Infinito


Mitose

O termo Mitose deriva da palavra grega mitos, que significa “tecer com fios” e refere-se ao fato de os fios cromossômicos se tornarem cada vez mais visíveis ao microscópio óptico, no decorrer da divisão celular.

Amabis e Martho em Fundamentos da Biologia Moderna


Campus Martius VIII

VIII

teu rosto de soldado surge em ti
e morre sem saber o que é morrer.


Mangifera indica – 13/11




13/11   de gradação em gradação
move-se a árvore
da sementeira à raiz, da raiz ao tronco
dos galhos aos ramos, dos ramos aos frutos, dos frutos às sementes
ascende e descende e ascende e descende
até que as raízes se configurem como pés firmes
e os galhos como braços que buscam
e os homens, que veem seus pés e seus braços,
ouvem também suas vozes, seus cantos, seus choros
Por que quer o homem personificar a árvore
seguindo seu caminho tão desarvorado?

Olhando a árvore pela janela:
Movem-se reticentes
sete... oito... nove...
sementes crescentes

Olhando a figura pelo poema:
“Olha antes a semente (...)
vê através do pequeno embrião de árvore”
“As árvores e os homens se confundem (...)
(...) os poetas foram árvores!”
“Uma velha mangueira comovida,
deita no chão maldito a sombra boa.”
“No galho das mangueiras
o vento canta.”
“Quando galhos prolongo, entendo o meu destino
“E, quando os ventos rugem nos espaços,
os seus galhos se torcem como braços
de escravos vergastados pelos ventos”


13/10        13/12


Nenhum fragmento

NENHUM FRAGMENTO SOZINHO É CAPAZ DE REFLETIR A BELEZA DE TODO O MOSAICO.


Campus Martius VII

VII

teu rosto de soldado é informe ainda, poema
e aqui, o desafio é mais denso
exemplo ― como terminar teus dias?

Anúbis   —   Miguel   —   Ares   —  
            Marte   —   Jorge   —   Ogum
—   Capitão Nascimento   —   Brahmeiros
o guerreiro de hoje é o deus de amanhã

soldado que mata e
salva na mesma medida
(tu,
que me encara, conheces
alguém que só salva na vida?)

soldado que luta
uma luta
que nem sei, luta que nem posso

soldado que mata e
            à noite faz poesia
que rosto te deu esta vida?
um rosto sem nada, sem história
sem ação, sem narrativa
sem forte comoção — nisto há vida?

um rosto que espia o mundo
e luta
para voltar a si

que espia o mundo
que o mundo espia
que espia o mundo
e luta
estarrecido, destemperado, luta,
com o que há na frente, luta, bêbado
à noite, sem contornos, sem lampejos
luta, somente, luta, com ímpeto vital
com um imperativo
            cujo limite é tudo conquistar, luta
com a luta, com a vida, com a morte
e descobre a luta
como a marca em teu rosto, com os traços
grossos a delimitar um sorriso, luta
e daqui surge o olhar preciso

luta estarrecido, pois tu mesmo
é a luta, tu mesmo é a guerra, tu
mesmo é a paz, tu mesmo é
a morte, é a vida, tu mesmo é a humanidade
em ti, tu mesmo é
teu rosto, tu mesmo
é o poema

ainda assim te mato, soldado!
hoje te mato
assim, quero talhar teu rosto
vencer tua batalha, vencer
o soldado em mim, olhar-te
cara a cara
olhar-te, agora, já com o rosto à mostra
em tom de desafio
e murmurar —
“por um milagre, talvez,
cala-se a guerra!”


Aves calcificadas


A Pedra

Dorme que nem pedra.
Os homens são pedras
         enquanto dormem.

Descansam ao som das ondas
e à sombra das gaivotas
         enquanto dormem.

Homem! Cinge tuas asas
         enquanto a Pedra dorme.


Foto: Nick Brandt. Fonte: New Scientist.

 
Este é o Lago Natron, no norte da Tanzânia.

Este é o lago de nome Natrão –  um mineral composto por carbonato de sódio hidratado, uma das substâncias utilizadas pelos antigos egípcios nos processos de mumificação, quando as múmias ficavam imersas num composto de carbonato de sódio, bicarbonato de sódio, cloreto de sódio e sulfato de sódio.

No lago Natron, as temperaturas podem chegar a 60°C.
No lago Natron, a alcalinidade é entre pH 9 e pH 10,5.
No lago Natron, acumulam-se as cinzas vulcânicas do Grande Vale do Rift.

No lago Natron, as aves se iludem com a reflexão na superfície do espelho d´água.
No lago Natron, as aves, como Narciso, mergulham em si.
No lago Natron, as aves, ao se secarem, morrem calcificadas.


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Visões de realização e creação

¿!  A palavra realização indica um poder creador.
¿!  A Essência faz emanar de si as Existências por meio deste poder creador.
¿!  O resultado da creação é o poema cósmico do Universo.


Campus Martius V

V

teu rosto de soldado é informe ainda
lembra-te, como foi um dia lutar sozinho
somente olhar a paisagem dura da cidade:

o concreto embrulhava as raízes sob seus pés
grades de ferro abraçavam troncos ingênuos e tortos
postes de chumbo podavam os galhos de sua vista
prédios e canais e avenidas eram embalagens
                        envolvendo montanhas
era o silêncio congelando os assuntos
preconceitos sufocando sentimentos
eram roupas modernas e desajustadas
como velhos hábitos vestem um corpo novo

lembra-te, Drummond, nascem flores no asfalto
nasce tenro e inocente combate
― e avança a libido de morte sobre a mata virgem

lembra-te, lembra-te
de teu rosto
a vida que é mole cavando a morte dura.