Mandalas recitadas: a mais bela das formas


Na tradição islâmica, a forma circular é considerada como a mais perfeita de todas. E é por isso que os poetas dizem que o círculo formado pela boca é a mais bela das formas, por ser completamente redonda.

[...]

A figura do círculo simboliza igualmente as diversas significações da palavra: um primeiro círculo simboliza o sentido literal; um segundo círculo, o sentido alegórico; um terceiro, o sentido místico.

Jean Chevalier e Alain Gheerbrant – Dicionário de Símbolos




Mandalas recitadas: em toda parte e em parte alguma


O símbolo de um ovo exprime também aquele ensinamento Oculto de que a forma primordial de cada coisa manifestada, desde o átomo ao planeta, desde o homem ao anjo, é esferoidal, sendo a esfera, em todas as nações, o símbolo da eternidade e do infinito, uma serpente que morde a própria cauda. Para compreender, porém, sua significação, é preciso representar a esfera tal como deve ser vista de seu centro. O campo de visão ou de pensamento assemelha-se a uma esfera cujos raios avançam em todas as direções e se estendem pelo espaço ao nosso redor, abrindo-nos perspectivas ilimitadas. É o círculo simbólico de Pascal e dos cabalistas “cujo centro está em toda parte e a circunferência em parte alguma”, conceito que se ajusta à ideia complexa deste emblema.

H. P. Blavatsky – A Doutrina Secreta: Cosmogênese




Livro Mandalas


Mandala quer dizer círculo. Mandala é movimento.

Nossa linguagem, quase sempre a expressão do nosso pensamento, não facilita o caminho para o centro. Parece que ela nos distancia, envolvendo-nos cada vez mais no mundo das dez mil coisas. Assim ela também nos ajuda, pois quanto mais longe nos leva, mais ela nos aproxima.

Podemos ler tudo na mandala. Ela é uma forma perfeita. Pode ser serenamente observada, contemplada e interpretada.

Por trás da mandala está oculto um som. As ondas sonoras formam mandalas ao se propagarem em forma de esferas a partir de um centro.

No centro há sempre um símbolo do indizível.

Encontrei essas ideias no livro Mandalas de Rüdiger Dahlke.




Mandalas linguísticas: Pôr rir ver ler


Ação. A ação é a forma de a pessoa gramatical se mover.

Ações são expressas por verbos, palavras que se flexionam em número, pessoa, modo, tempo e voz. É a classe mais rica em flexões. Os verbos são caracterizados justamente por suas flexões, e não por seus possíveis significados.

No entanto, o verbo da mandala, o verbo no centro do verso da mandala, está no infinitivo. Em sua forma infinita, não há a manifestação explícita das pessoas do discurso. Simplesmente enuncia um fato, de maneira vaga, imprecisa, impessoal. A ação sem pessoa. O processo verbal em si mesmo, sem qualquer noção de tempo, sem qualquer noção de modo. É a forma pela qual o próprio verbo é nomeado. E então podemos retornar aos nomes, aos pronomes, às interjeições e aos fonemas.

A ação infinita no centro do verso. O indizível no centro da mandala.




Mandalas linguísticas: Ar som véu voz


Palavras que dão nomes aos seres. Significam o que chamamos objetos substantivos – substâncias. Simples, primitivos, concretos, comuns.

Atmosfera, gases, vento, brisa, aragem, o espaço acima do solo, aparência, semblante, ares, o que respiramos. Um corpo vibra em um meio material elástico, um corpo vibra no ar e ondas sonoras se propagam provocando um fenômeno acústico, ritmo, tom, ruído, música, emissão de voz, fala, palavra. Um tecido com que se cobre qualquer coisa, que serve para ocultar, trevas, noite, aflição, angústia, amargura. A fala, a palavra, a manifestação verbal, o clamor, ordem em voz alta, sugestão íntima, cada uma das linhas melódicas em um contexto polifônico.

A fala é o tecido cobrindo as vibrações das aparências dos ventos. Camada a camada, as substâncias vão se sobrepondo na objetivação da mandala.




Mandalas linguísticas: Um que quem eu


Palavras que representam os nomes dos seres, indicando a pessoa do discurso – o que fala? Fala com o quê? De quê?

Pronomes são formas sem substância. O significado de um pronome só pode ser encontrado dentro do texto ou do contexto. Esse significado não representa nenhuma matéria extralinguística.

Na mandala, vaga e imprecisamente, o um indefinido refere-se à não pessoa. Um verso abaixo, o um dá lugar ao que, o relativo universal, referindo-se tanto a coisas quanto a pessoas. Esse relativo universal é ainda um indefinido e pode ser usado também para formular nossos questionamentos através da pergunta indireta. Outro verso, e o relativo encontrado só se aplica a pessoas ou coisas personificadas. Até surgir, no último verso, a primeira pessoa – a pessoa que fala para si mesma e de si mesma dentro da nossa mandala textual.




Mandalas linguísticas: Uh! Ah! Oh! Ó!


Medo, terror, horror! Dor, arrependimento, lástima, alívio, surpresa, espanto, admiração, alegria! Pena, dor, arrrependimento, lástima, surpresa, espanto, admiração, alegria, ansiedade, desejo! Pedido, apelo, chamamento! Essa é a transformação dos estados de espírito expressos morfologicamente pelas interjeições ao longo das voltas que a mandala dá em seus versos e em suas estrofes.

Mais do que palavras, as interjeições são verdadeiras frases. Sintéticas, possuem uma existência autônoma. Com uma estrutura linguística simples, conseguem registrar os mais variados sentimentos, emoções e sensações.

As interjeições que formam a mandala são acompanhadas de um contorno melódico exclamativo. Uma mesma interjeição, por exemplo, pode expressar dor e alegria – a diferença está no tom da voz de quem a pronuncia. Essas palavras têm ainda o poder de agir sobre o leitor, levando-o a adotar certo comportamento.

O som das interjeições do poema é essencialmente vocálico. As vogais já não são ruídos como as consoantes, mas sim tons, sons musicais. São elas que, em nossa língua, constituem as sílabas. Cada sílaba deve ter uma e somente uma vogal. A letra h das interjeições escolhidas não é exatamente uma consoante. Ela é, na verdade, um símbolo, presente na palavra em razão da etimologia e da tradição de nosso idioma. No fim das interjeições, representa uma aspiração.

O ruído sibilante do S desenrola-se na linha reta do verso buscando uma vogal para formar uma sílaba poética. Esta sílaba é uma palavra e uma frase ao mesmo tempo, sendo pronunciada apenas como uma vogal exclamada. No entanto, esta sílaba nos revela medo, terror, horror! E nos revela dor, arrependimento, lástima, alívio, surpresa, espanto, admiração, alegria! E nos revela pena, dor, arrrependimento, lástima, surpresa, espanto, admiração, alegria, ansiedade, desejo! E nos revela pedido, apelo, chamamento!




Mandalas linguísticas: S





Silvo. Som agudo e prolongado. Sopro do vento. Assobio da serpente.

O som sibilante é escrito sinuosamente com duas curvas sucessivas em direções opostas.

Antes de ser a 19ª letra do nosso alfabeto, antes de ser classificada como uma consoante fricativa alveolar surda, desvozeada, o S era encontrado na ornamentação antiga ou primitiva. Não era um som nem uma forma, mas o símbolo de um movimento de unificação de opostos. Estava nas rajadas de vento, nos turbilhões, na fumaça dos incensos. Como uma espiral.

Hoje o s é símbolo de uma unidade de tempo – o segundo. Abrevia as palavras sem e sobre. Sul, súlfur e santo são abreviados com S.

A letra S é um ruído, uma consoante, um elemento assilábico. Inicia e termina minhas poéticas sílabas.




Mandalas linguísticas: a pontuação sem sinais


A pontuação das mandalas é feita por elementos de realce e valorização do texto. Toda a formatação pode ser lida – as fontes usadas e seus estilos, tamanhos e efeitos; o espaçamento dos caracteres; as entrelinhas.

As mandalas surgem condensadas, concentradas. E vão se expandindo. Até que começam a retornar ao ponto de onde vieram. São feitas para serem desfeitas, tachadas, riscadas. Até voltarem ao ponto inicial. Quando a mandala escrita se apaga, resta gravada a melhor leitura que delas foi feita.




Mandalas linguísticas: versos, morfologia e sintaxe


Fonema – interjeição – pronome – substantivo – verbo  

Na mandala poética, minha sequência foi inspirada pela leitura de Vico. Ao tratar da lógica poética, Vico propõe uma sequência para a origem das línguas e das letras: onomatopeia – interjeição – pronome – nome – verbo.

Primeiro foi o som – depois, as vozes se articularam sob o ímpeto de paixões violentas – há, então, a necessidade de se comunicar com o outro – e também de conhecer a natureza – por fim, os pais deveriam dar ordens e falar aos seus filhos, e surgem os imperativos monossilábicos.

Para Vico os verbos são gêneros de todos os outros a que se reduzem todas as essências, o que vale dizer, todas as coisas metafísicas; repouso e movimento, a que se reduzem todas as coisas físicas; a que se reduzem todas as coisas agíveis.

verbo no infinitivo – substantivo – pronome – interjeição – fonema

Na mandala poética, essa sequência faz um caminho de retorno, como uma respiração, e fecha o círculo com versos anacíclicos, que se podem ler da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda, mantendo o sentido. Pois nascemos e morremos, falamos e ficamos em silêncio. Pois as línguas nascem e morrem, surgem e desaparecem, como as mandalas. Os versos, sulcos retos na terra, vão e vêm como ondas.

Fonema – interjeição – pronome – substantivo – verbo no infinitivo – substantivo – pronome – interjeição – fonema

Na mandala poética, as ligações não são feitas pela lógica da sintaxe. Podemos fazer escritas fonológicas, morfológicas, semânticas, estilísticas. Mas não sintáticas. Ou, talvez, podemos escrever em uma sintaxe poética, em uma lógica poética.




Mandalas linguísticas: versos e estrofes


Na mandala linguística do poema, as estrofes são os círculos e os versos são os raios. O centro é o título, o centro é o inefável.

Foi Nietzsche no Nascimento da Tragédia quem chamou minha atenção para a palavra estrofe. A raiz grega da palavra strofé quer dizer volta. Nietzsche lembra-nos da virada cênica da evolução do coro.

A estrofe (stropha em latim) refere-se à primeira parte da ode grega.

A estância ou estrofe é formada por um grupo de versos que apresentam sentido completo. Fora da arte poética, estância é um lugar de parada, onde se está ou se permanece por algum tempo.

A segunda parte da ode antiga era a antístrofe.

Na tragédia clássica, a catástrofe era a conclusão da ação trágica. A ação se esclarecia inteiramente, o equilíbrio moral ficava estabelecido. Fora da arte poética, guardamos da catástrofe a ideia de desgraça, desastre.

O elemento de composição grego kata (cata) traz a ideia do que acontece do alto de, de cima para baixo, sobre.

A mandala linguística do poema é uma cruz. Na vertical, ligando o que está em cima com o que está embaixo, temos as estrofes. Na horizontal, temos os versos. O ponto em que as direções se cruzam é o título e é também o indizível.

Chama-se monóstrofe a composição poética de uma só estrofe.

A mandala linguística do poema é a repetição de uma única estrofe, cuja escrita e cuja leitura nunca se repetem.

Mandalas são círculos. Mandalas são formadas por quadrados. Quatro lados, quatro versos. Na mandala linguística do poema, a quadratura do círculo é formada pelas voltas das estrofes de quatro versos.




Mandalas poéticas


Sílabas são mandalas? Palavras são mandalas? Poemas são mandalas?

A escrita de um poema é uma meditação? Um poema é a forma da concentração? A leitura do poema é uma contemplação? Um poema é um movimento infinito – uma escrita e uma leitura infinitas, um infinito tecer e destecer?




Mandalas estudadas


Sopro. O sopro do vento que traz tempestade, que espalha, arrasta, derruba. O sopro de uma brisa. O sopro de uma pessoa assobiando despreocupadamente. O sopro de uma pessoa tocando uma flauta, o sopro de uma pessoa tocando a flauta que inicia o Bolero de Ravel. O sopro da voz de um monge entoando o canto gregoriano em latim – saindo do silêncio e a ele retornando. Essas são as referências de imagens sonoras para a escrita das Mandalas. A escrita domando e fixando os movimentos sonoros do ar, formando uma mandala poética.

Registrarei nos posts seguintes o estudo realizado para a escrita das Mandalas. Tal estudo não é necessariamente o estudo que permitirá a leitura das Mandalas. Cada leitura demandará seu próprio estudo, individual e original.

Para o estudo linguístico foram muito inspiradoras as gramáticas do Cegalla, do Infante e do Bechara, bem como os dicionários já utilizados no fragmento Palavras.




Mandalas teóricas


As raízes da escrita são verdadeiros iantras (figura geométrica, literalmente um suporte, um instrumento)

Mandalas são iantras circulares.