Quem somos nós: as qualidades

Pensando de modo persistente em qualquer qualidade, esta tende a tornar-se cada vez mais parte do nosso caráter. Esse efeito é intensificado se nosso pensamento for mais que um pensamento. Se ele for uma contemplação. É possível até que nossa mente torne-se uma com a qualidade.

Qualidades positivas, tais como a coragem e a compaixão, não são algo nebuloso e vago. São princíos reais, vivos, dinâmicos, de ilimitado poder. No entanto, não podem se manifestar plenamente nos mundos inferiores por falta de instrumentos adequados. É então que damos vida às qualidades negativas. O medo e a crueldade não têm existência própria, mas são a não manifestação ou a manifestação imperfeita das qualidades positivas.

No universo literário, alguns personagens tornam-se a própria corporificação de algumas qualidades. Eles personificam os poderes de amor, simpatia, paciência.

No universo não literário, as qualidades positivas podem ser adquiridas, expressas e corporificadas por nós. Isso acontece quando nos dedicamos à arte da criação de nós mesmos. Quando abandonamos as máscaras do dia a dia e descobrimos quem somos nós através da qualidade essencial de que somos a corporificação e que nos distingue uns dos outros.


Ruínas

Saudações à queda. Saudações às folhas caídas, às árvores caídas, às torres caídas, aos castelos caídos, aos sonhos caídos, aos homens caídos. Saudações às ruínas, ao ideal por trás das ruínas. Saudações aos frutos, à colheita dos frutos. Saudações ao equilíbrio.

No espanhol, balbuceo. No hebraico, bilbel – confusão. No aramaico, Babilu – Portão de Deus – o local que os gregos denominavam Babilônia, onde se supõe ter sido erguida a Torre de Babel. Referência à linguagem sagrada, a torre nos fala de uma língua comum a todas as pessoas através dos tempos. A destruição da torre nos dá uma imagem da perda dessa linguagem. Já não nos entendemos, não falamos a mesma língua. Entre nós, já não há um mínimo de consenso. Cada um pensando somente em si mesmo e a considerar-se um Absoluto.

O povo cholula no México conta que a Pirâmide de Cholula foi erguida para servir de abrigo contra um futuro dilúvio. Mas uma confusão de línguas dispersou os construtores. Diz um trecho do Popol Vuh, um registro dos maias: “Aqui as línguas das tribos mudaram – sua fala ficou diferente. Tudo que ouviam e compreendiam ao partir de Tulán tornou-se diferente. [...] Nossa língua era uma quando partimos de Tulán. Ai! esquecemos nossa fala [...]”.

A queda da torre e a destruição da pirâmide simbolizam a mudança da unidade para a variedade. Uma mudança natural, que não pode deixar de ser. A realização dessas obras, incluindo o plano, a construção, a queda e a reconstrução, forma uma alegoria dos caminhos da evolução humana e dos seus frutos sobre a nossa vida e a nossa consciência. Se o outono nos fala da queda natural das folhas, necessária à renovação, o equinócio nos fala do equilíbrio que mantém de pé o que é sempre mantido.

Em nosso exercício de colagem, a Babel cai sobre a terra fazendo com que as aves levantem voo para o céu. As aves também têm a sua linguagem: a linguagem do canto, que é também a linguagem da poesia. Uma só linguagem. Com este exercício, ilustramos um poema da nossa língua portuguesa:




Ruínas

Se é sempre Outono o rir das Primaveras,
Castelos, um a um, deixa-os cair...
Que a vida é um constante derruir
De palácios do reino das Quimeras!

E deixa sobre as ruínas crescer heras,
Deixa-as beijar as pedras e florir!
Que a vida é um contínuo destruir
De palácios do Reino das Quimeras!

Deixa tombar meus rútilos castelos!
Tenho ainda mais sonhos para erguê-los
Mais alto do que as águias pelo ar!

Sonhos que tombam! Derrocada louca!
São como os beijos duma linda boca!
Sonhos!... Deixa-os tombar... Deixa-os tombar.


Florbela Espanca em Livro se Soror Saudade (1923)




Nunca houve golpe no Brasil dos principiantes

Peter Kellemen chegou ao Brasil na década de 1960. No aeroporto, foi apresentado ao jeitinho brasileiro por um cônsul que lhe sugeriu declarar a sua profissão como engenheiro agrônomo. Acontece que Kellemen era médico.

E para que isso? “Meu filho, você acha que está fazendo uma declaração falsa ou, digamos, uma afirmação sem fundamento? Evitamos somente que perca seu tempo e possa embarcar logo. Seu visto ficará pronto à tarde”. Foram essas as palavras do cônsul. Na época, havia um incentivo das autoridades brasileiras para o ingresso de agrônomos no país. A declaração de Kellemen facilitaria o trabalho dos funcionários do aeroporto.

No Brasil, o médico engenheiro agrônomo húngaro exerceu uma outra profissão – a de escritor. É dele a autoria do livro Brasil para principiantes. Título corrigido mais tarde pelo nosso maestro Tom Jobim: “O Brasil não é para principiantes”.

O agora escritor mudou ainda mais uma vez de profissão, tendo talvez encontrado sua verdadeira vocação. Kellemen tornou-se um golpista. Ele foi o idealizador da fraude do Carnê Fartura, veiculado pelo Programa do Chacrinha na TV Globo. Era o golpe da realização do sonho da riqueza fácil. Quando Kellemen foi preso, depois de ter sido desmascarado, ele subornou os policiais e fugiu para o Paraguai. Nunca mais foi visto.

Essa história toda é para introduzir uma pequena cronologia de não golpes do Brasil. E para ressaltar que concordamos com Tom Jobim. Não é para principiantes. Talvez essa cronologia seja atualizada no próximo dia 15, reforçando o fato de que sempre damos um jeitinho de não dizer golpe:

¿!  22 de abril de 1500 – Descobrimento do Brasil
¿!  15 de novembro de 1889 – Proclamação da República
¿!  1930 - 1934 – Governo Provisório
¿!  10 de novembro de 1937 – Estado Novo
¿!  1º de abril de 1964 – Revolução de 1964
¿!  1º de outubro de 1992 – instauração do processo de Impeachment
¿!  15 de março de 2015 – (Que nome terá?)


The Astâdhyâhî of Pânini - tésseras e tesselas

Estudando o mosaico linguístico de Pânini através do estudo de Rama Nath Sharma e com a ajuda dos estudos de I. K. Taimni, supomos que regras (sutras) e comentários compõem uma téssera na literatura gramatical. Dentre os comentários, temos as seguintes tesselas:

¿!  explicações (vrtti)
¿!  notas complementares (vârttika)
¿!  exposições (bhâsya)
¿!  derivações ou exemplos (prakyiyâ)
¿!  teoria (siddhânta)

Em Nossos Estudos Poéticos, destacamos a tessela teoria, que consiste em ideias de metafísica, filosofia, epistemologia, lógica e ritual.

Astaka, oitavas ou a coleção de oito, e Sûtrapâtha, a recitação das regras, são outros nomes pelos quais conhecemos a gramática Astadhyâyî (asta – oito/ adhyaya – lição). 


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