Ruínas

Saudações à queda. Saudações às folhas caídas, às árvores caídas, às torres caídas, aos castelos caídos, aos sonhos caídos, aos homens caídos. Saudações às ruínas, ao ideal por trás das ruínas. Saudações aos frutos, à colheita dos frutos. Saudações ao equilíbrio.

No espanhol, balbuceo. No hebraico, bilbel – confusão. No aramaico, Babilu – Portão de Deus – o local que os gregos denominavam Babilônia, onde se supõe ter sido erguida a Torre de Babel. Referência à linguagem sagrada, a torre nos fala de uma língua comum a todas as pessoas através dos tempos. A destruição da torre nos dá uma imagem da perda dessa linguagem. Já não nos entendemos, não falamos a mesma língua. Entre nós, já não há um mínimo de consenso. Cada um pensando somente em si mesmo e a considerar-se um Absoluto.

O povo cholula no México conta que a Pirâmide de Cholula foi erguida para servir de abrigo contra um futuro dilúvio. Mas uma confusão de línguas dispersou os construtores. Diz um trecho do Popol Vuh, um registro dos maias: “Aqui as línguas das tribos mudaram – sua fala ficou diferente. Tudo que ouviam e compreendiam ao partir de Tulán tornou-se diferente. [...] Nossa língua era uma quando partimos de Tulán. Ai! esquecemos nossa fala [...]”.

A queda da torre e a destruição da pirâmide simbolizam a mudança da unidade para a variedade. Uma mudança natural, que não pode deixar de ser. A realização dessas obras, incluindo o plano, a construção, a queda e a reconstrução, forma uma alegoria dos caminhos da evolução humana e dos seus frutos sobre a nossa vida e a nossa consciência. Se o outono nos fala da queda natural das folhas, necessária à renovação, o equinócio nos fala do equilíbrio que mantém de pé o que é sempre mantido.

Em nosso exercício de colagem, a Babel cai sobre a terra fazendo com que as aves levantem voo para o céu. As aves também têm a sua linguagem: a linguagem do canto, que é também a linguagem da poesia. Uma só linguagem. Com este exercício, ilustramos um poema da nossa língua portuguesa:




Ruínas

Se é sempre Outono o rir das Primaveras,
Castelos, um a um, deixa-os cair...
Que a vida é um constante derruir
De palácios do reino das Quimeras!

E deixa sobre as ruínas crescer heras,
Deixa-as beijar as pedras e florir!
Que a vida é um contínuo destruir
De palácios do Reino das Quimeras!

Deixa tombar meus rútilos castelos!
Tenho ainda mais sonhos para erguê-los
Mais alto do que as águias pelo ar!

Sonhos que tombam! Derrocada louca!
São como os beijos duma linda boca!
Sonhos!... Deixa-os tombar... Deixa-os tombar.


Florbela Espanca em Livro se Soror Saudade (1923)