Quando pedimos para que alguém nos
conte uma história, entregamos nossa audição, nossa visão e nosso coração.
As histórias espantosas, cujos assuntos são extasiantes, maravilhosos e
insólitos, precisam ser contadas a fim de que elas mesmas se encaminhem até a
adequada complementação dos seus sentidos e dos seus suaves vocábulos. E com
elas avançamos sem saber sobre o que o oculto nos reserva.
Conta-se, mas Deus sabe mais sobre o
que já é ausência, que nós postamos que Sahrazad disse que um
certo rei disse que, sem lhe ver a imagem, ouviu a voz de alguém dizer em
versos o nascimento de sua filha Hayfa.
Hayfa cresceu em um palácio em
forma de cubo no centro de um círculo de água. O rio em torno do palácio
parecendo um anel em torno do dedo. Os construtores escreveram poesias nas
correntes dos lampiões de cristal pendurados no salão e também nos lampiões. Na
porta, escreveram: “Este palácio já aparece como alegria para quem o vê;
o bom augúrio escreveu às suas portas: entrem
em paz e segurança”.
Aos 4 anos, Hayfa decorou o
alfabeto e adquiriu um discurso agradável. Aos 10 anos, decorou metros da poesia
e seu discurso ficou ainda mais belo. Aos 14, ensinou as criadas a fazer
poesia. Hayfa escreveu na porta do palácio: “Ó leitor destas linhas, vê se
entende e pensa, eu te peço por Deus poderoso”.
Um dia, um príncipe chamado
Yusuf, fugindo da casa de seu pai, chegou às margens do rio que contornava o
palácio de Hayfa. Yusuf mergulhou no rio, atravessou o curso d’água, chegou à
outra margem, leu os versos na porta do palácio e escreveu outros: “À sua porta, fonte de generosidade, chegou um
forasteiro desterrado que se tornou errante; talvez sua generosidade o salve da
errância, e o proteja da injustiça do inimigo contumaz. Não tenho refúgio senão
a sua porta, a qual contém sentidos de versos como se fossem colares, que o
filho de Sahl leu, e recorreu a vocês. Socorram o estranho que lhes chega
sozinho”.
Encontrando-se, Hayfa e Yusuf se
indagaram a si mesmos, ambos ignorando o que lhes destinara aquele que quando
diz para algo “seja”, é. Ela disse para que ele deixasse por conta
dela a boa resposta, a sutileza da palavra e a essência da poesia. Ambos se
extasiaram profundamente com a poesia, arrancaram as roupas, gritaram e ficaram
desacordados quando a poesia foi concluída com os sentidos ocultos nela
inovados.
Mas, no momento do ciúme e da
separação, Yusuf se tornou aquele cujo coração já não mais permitia poesias. E,
então, o coração e o sopro vital de Yusuf ficaram com Hayfa, enquanto seu
coração e sua mente estavam em luta. A mente e o juízo de Yusuf desejavam a
secura. O coração e o sopro vital, a relação.
Como o destino irremediável dos
corações é se reunirem uns aos outros, venceu a relação.
Quando entregamos nossa audição,
nossa visão e nosso coração, recebemos o entendimento. O que é o entendimento?
É a reflexão e a compreensão das coisas em sua verdade. Sahrazad havia lido e
entendido, por isso podia narrar.
“Ó rei do tempo, esse círculo maior é o
seu reino, e o círculo menor é o meu reino”; deu alguns passos, entrou no
círculo menor e disse: “Se o seu reino, rei do tempo, não me cabe, morarei no
meu reino”, e mal entrou no círculo menor desapareceu das vistas dos presentes”