Os naskapi são caçadores simples que vivem em grupos familiares
isolados. Por se encontrarem tão separados uns dos outros, não conseguiram desenvolver costumes
tribais nem crenças e cerimônias religiosas coletivas. A concepção naskapi do
centro interior do nosso sistema psíquico é descrita no livro O homem e seus símbolos, organizado por
Jung, e recitada por nós:
Ao longo da sua vida
solitária, o caçador naskapi tem que contar apenas com as suas vozes interiores
e as revelações do seu inconsciente; não há mestres religiosos que lhe digam no
que acreditar, nem rituais, festas ou costumes que lhe sirvam de apoio. No seu
universo elementar, sua alma é apenas um “companheiro interior”, que chama de “meu
amigo” ou Mista’peo, significando “Grande Homem”. Mista’peo habita o coração do homem e é um ser
imortal. No momento da morte, ou pouco antes, ele deixa o indivíduo para, mais
tarde, reencarnar-se em outro.
Os naskapi que
prestam atenção a seus sonhos, tentam descobrir os seus significados e testar
sua verdade podem estreitar seu relacionamento com o Grande Homem. Ele os
auxilia e manda-lhes mais e melhores sonhos. Assim, a principal obrigação de um
naskapi é obedecer às instruções que lhe são transmitidas por meio dos sonhos e
dar aos seus conteúdos uma forma duradoura nas artes. Mentiras e desonestidades
afastam o Grande Homem do reinado interior do indivíduo, enquanto a
generosidade, o amor ao próximo e aos animais atraem-no e lhe dão vida. Os
sonhos oferecem ao naskapi todas as possibilidades para encontrar o bom caminho, não só no seu mundo interior mas também no mundo exterior da natureza.
Ajudam-no a prever o tempo e dão-lhe conselhos inestimáveis na caça, da qual
depende toda a sua vida. Menciono esses povos muito primitivos porque ainda não
foram contaminados por nossas ideias civilizadas e ainda guardam a intuição
natural da essência do self.
M. – L. von Franz, em O processo de individuação