Um carro a menos
Elas estão em todos os lugares. Estão tanto na ciclovia e na rua,
quanto no corredor de ônibus, nas calçadas, nos porta-malas dos carros
estacionados também nas calçadas, na contramão, nas vitrines, nas propagandas
de banco e refrigerante, nas camisetas da moda, nas campanhas em defesa do meio
ambiente e por um mundo melhor. Elas estão no pensamento geral e na
conscientização. Elas
– as Bicicletas. Ou
talvez seria melhor dizer eles – os
carros a menos.
Um carro a menos. Seria
esse um epíteto, uma perífrase para bicicleta? Ou seria apenas um eufemismo, já que um carro a menos na rua tem
significado uma bike a mais na calçada (inclusive em bairros em que há ciclovia)?
Essa conta não parece nada vantajosa
para o pedestre, parece apenas trocar seis por meia dúzia.
Os carros não respeitam as bicicletas? Não, em sua maioria não
respeitam mesmo. Mas o desrespeito do motorista de carro não pode justificar o
desrespeito do ciclista que circula na calçada e reproduz o mesmo desrespeito,
transferindo o problema para o pedestre.
As bicicletas nas calçadas não solucionam os problemas do trânsito, não solucionam os
problemas de poluição, não solucionam os problemas da cidade. As bicicletas nas
calçadas solucionam os problemas imediatos da pessoa que está na bicicleta, que
chega mais rápido aonde quer pagando menos. As bicicletas nas calçadas perpetuam os problemas da cidade, solucionados apenas para
uma minoria que é capaz de resolver seus próprios problemas sozinha, às custas do
restante da população. As bicicletas nas calçadas criam novos problemas.
É essa pessoa da bicicleta também que pode usufruir do privilégio do
que infelizmente acabou por se tornar um privilégio – a vida simples. Um carro
a menos tem sido apenas um eufemismo, uma tentativa de suavizar o fato de que
as bicicletas estão circulando nas calçadas, uma figura de linguagem para
tornar mais palatável a existência de um privilégio. A vida simples, por sua
vez, tem revelado a força de sua téssera – a ostentação. Mas tanto faz, vida
simples e ostentação não passam de consumo embrulhado no papel de presente do
discurso conscientizado.
Como pode um problema coletivo ter uma solução
individual? Deixemos
os discursos, vamos ao símbolo. O símbolo fala. A bicicleta, como símbolo, fala
de autonomia e de esforço individual, mas fala também de equilíbrio, de um
movimento sempre para frente, de evolução. O que nós temos sido capazes de
ouvir desse símbolo?
Equinócio de Outono
Saudamos com o voo das gaivotas a estação em que as coisas caem. Saudamos
o tempo da colheita, sendo ela de alegrias ou tristezas. Saudamos o tempo das
coisas que se dão. Saudamos o poder da Entrega, saudamos o poder da Renúncia, saudamos o poder da Vida.
Com
as gaivotas
Contente de me dar como as gaivotas
bebo o outono e a tarde arrefecida.
Perfeito o céu, perfeito o mar, e este amor
por mais que digam é perfeito como a vida.
E como toda a gente quero alegria.
Mas hoje sou dum céu que tem gaivotas,
leve o diabo essa morte dia a dia.
Os amantes sem dinheiro, de Eugénio de Andrade
Mangifera indica – 13/3
13/3 Viessem os físicos
com sua mecânica
e tirassem o movimento das
árvores
da cinemática e da dinâmica
Viessem os biólogos e os
botânicos
os cientistas, ambientalistas e
ecologistas
Viessem de cabeça para cima
com os pés no chão
com os olhos onde pisam os pés
Viessem gravemente ligados à Terra
mas sem raízes
Viessem desligados da árvore
mas arvorando o saber
Viessem partindo de hipóteses
juntando e rejuntando as pétalas
caídas
sem nunca encontrar
a alfabética síntese da flor
Viessem os teóricos
os antropólogos, os arqueólogos
os racionalistas, os positivistas
os historiadores, os
pesquisadores
e Flora não passasse
de uma meretriz
a quem os romanos
celebravam uma festa anual
Viessem todos esses
e tudo não passasse de ciência
Viessem outros véus
outras pálpebras e pupilas
outras persianas, outros vidros,
outras neblinas
Os gêneros literários – a Conclusão
Os gêneros literários, a rigor, são
realidades arquetípicas: eles enquadram e orientam a
multiplicidade de fatos na história literária, sem nunca estarem manifestos em
toda a sua pureza, e também sem nunca desaparecerem totalmente, não importa o
quão irreconhecível eles podem estar por trás da multidão geralmente confusa de
fatos particulares e variações.
A dificuldade sentida pelo homem
contemporâneo em compreender os gêneros e reconhecê-los em meio
à confusão de dados empíricos é exatamente a mesma que ele tem de
encontrar qualquer significado arquetípico nos fatos da vida diária
que foram totalmente banalizados e coisificados, cortados do reino dos
arquétipos pela fumaça e pelo barulho da instantaneidade comercial e industrial,
bem como pelas
distorções poluentes que a indústria de comunicação de massa criminalmente
introduz no
mundo das imagens e dos símbolos.
A dificuldade em ver está no sujeito
e não no objeto.
(Livro Os gêneros literários: seus fundamentos
metafísicos, de Olavo de Carvalho)
Começa em Os
gêneros literários – a Questão
Assinar:
Postagens (Atom)