O cansaço e o esvaziamento

Esvaziadosisolamo-nos no que falta, um grande ruído soa desmedido muito ao longe.


O cansaço e o fastio

Fartos, provamos os dissabores, os desgostos, os enjoos. Desdenhamos, desprezamos. Encontramos o que não é o desejo, o que não é a vontade. Não queremos mais. Não mais buscamos. Enfim, encontramos.


O cansaço e o enfado

Enfadados, existimos aturando, resistimos até não mais tolerar a fadiga das sortes, das fortunas, dos sucessos, dos destinos.


O cansaço e o aborrecimento

Aborrecidos, afastamo-nos com horror. A cada opinião diferente, divergimos. Fugimos e evitamos. Vamos nos distanciando. Frios agudos e sons estridentes estremecem as sombras.


Solstício de inverno

Saudamos a noite mais longa do ano com a 745ª noite do Livro das mil e uma noites. Saudações ao que se esfria nos corações. Saudações aos que apreciam ouvir as histórias sobre a morte:

[Prosseguiu Sahrazad:] E agora te é necessário aprender as histórias do último suspiro, como também deves ficar ciente de que os estúpidos que se deixam seduzir pela dilatação de prazo não apreciam ouvir histórias sobre a morte, a fim de que o amor pelo mundo não se esfrie em seus corações, nem lhes transtorne o [prazer de] comer e beber.


Traduzido do árabe por Mamede Mustafa Jarouche




O cansaço e o hábito

Habituados, nos acostumamos. Habituados, nos adaptamos. Acostumados, nos desinteressamos. Boiamos adaptados na correnteza dos pensamentos, das palavras e das ações que compõem o vórtice da rotina. Ou do vício.


Mangifera indica – 13/6




13/6     buscando as festas de junho
E a informática seria outra visão...
Árvore da ciência da computação
gerando estruturas virtuais
a nos lembrar que a vida não é uma sequência
A vida é uma hierarquia
de raízes e nós terminais
Só as árvores degeneradas
assemelham-se a listas
Árvores de pesquisa
simbolizando a busca humana
a nos lembrar da visualização e da organização
de nossa travessia
Árvore hiperbólica
crescendo pelos sítios eletrônicos
a nos lembrar de nossas outras naturezas
de nossos outros mundos

E outras seriam as visões da árvore e do movimento
de suas partes, de seu todo, seus tropos
seu tempo, seu espaço, seu estudo
meu estudo, meu olhar, minha escrita
É a quinta árvore a que se move
em belas asanas e radicais arborismos
Natureza urbana sabiamente desinformada
poema arborescente de linhas, leis, leituras e vidas
fantasma de uma sexta espécie não nascida
iluminado pelas epígrafes solares
O movimento é a imagem do que eu nunca vejo 


13/5        13/7


Versos d’água: entre o âmnio e o mar

Cobrem e recobrem
recobrem e encobrem
encobrem e envolvem
o ânimo no âmnio
derramando-o no mar


Recitando as águas da chuva



Assim que a chuva começa, o som da água se modifica. Em pouco tempo a secura quebradiça de um ano se vai, e tudo se encharca, e dia após dia a chuva, que não para, cai na lama, martela as pedras molhadas e quebra as folhas. A montanha parece feita de água. E todas as coisas revelam que também são feitas apenas de água.


William Buck – O Ramayana