Amor de Livros

Nesses dias em que tudo muda, saí atrasada de casa para um compromisso, que acabou cancelado. Tendo que mudar minha trajetória em pleno ar, aproveitei o tempo para pagar uma conta. Nesses dias em que tudo muda, minha chateação se transformou em praticidade. Paga a conta, sobrou-me ainda tempo. Fui, então, ao Centro Cultural da Justiça Federal. Nesses dias em que tudo muda, minha praticidade se transformou em compreensão. O compromisso foi cancelado para que eu visse uma exposição de livros-objetos e caligrafia, duas artes que eu quero estudar.

Gabriela Irigoven convida os vistantes da exposição Amor de Livros a terem uma outra visão desses tradicionais suportes de palavras e imagens. O livro pode contar histórias com a sua forma e não apenas com seu conteúdo? Vemos que sim, que isso é possível, quando olhamos os livros-objetos em exposição. Com desenhos, colagens e aquarelas; com fios, fitas e frases; com feminilidade, delicadeza e coragem, a autora dos livros nos deixa ler seus cadernos em processo, seus diários visuais. Nesses dias em que tudo muda, os livros de Gabriela e a caligrafia de Claudio Gil transformam as paredes do CCJF em estantes, e toda a sala se torna uma silenciosa e significante biblioteca. Difícil ver sem convidar outra pessoa.

Você sempre me traz flores foi o livro que mais poesia me inspirou. Sua forma contou histórias de flores recebidas em longínquas primaveras, histórias escritas nas páginas de pétalas há muito tempo secas.

Nesses dias em que tudo muda, voltei à exposição com um convidado. Mas Amor de Livros não era mais a mesma. O silêncio da biblioteca de livros-objetos havia se transformado em um falatório. Três pessoas procuravam os plugs e as tomadas para montar uma outra exposição, como se nós, os livros-objetos e as palavras caligrafadas não mais estivéssemos ali. E então me dei conta por que tenho ido a tão poucas exposições. Porque elas não têm sido criadas, mas apenas montadas. Talvez amontoadas. E nesses dias em que tudo muda, acabei por me tornar uma visitante-objeto, mais um número anotado no inventário do livro-objeto de visitação.