Eis que nasceu o mundo
maravilhoso,
Num instante ele morre,
E num sopro se refaz.
Pela lentidão de nosso
olho
E a rapidez da mão de
Deus,
Nós acreditamos no mundo.
No princípio houve o amor. Amaldiçoado o que torna o amor inútil e
bendito o que ama sem nunca ter visto. Mas, na
história de guerreiros, até o deus do amor apresenta-se armado. Kama carrega o
arco mais poderoso do mundo. Feito de cana-de-açúcar, sua corda é uma fileira de abelhas e suas
flechas têm pontas de flor. Houve o amor de Ganga, a deusa do rio, pelo rei
Bharata Santanu; houve o amor de Gandhari pelo rei cego Dhritarashtra; houve o
amor de Pandu por Kunti, mãe de Karna, Arjuna, Bhima e Yudhishthira; houve o
amor de Pandu por Madri, mãe de Nakula e Sahadeva; houve o amor de Draupadi, a
nascida do fogo de Shiva, pelos seus cinco maridos Pandavas. Houve muitos
outros amores. Talvez, em algum aspecto, o próprio Duryodhana tenha amado
Draupadi.
No princípio houve as armas. Foi
ensinado a cada guerreiro o que eles podiam aprender. Ao melhor deles,
revelaram-se as armas.
Arjuna, o príncipe argênteo, permanecia com seu arco tão estirado que formava
um círculo. Os olhos do melhor arqueiro de todo o mundo só viam o alvo, nada mais
podiam descrever. Prometeu ao seu instrutor que sempre lutaria para vencer. O
deus do fogo Agni entregou à Arjuna o arco Gandiva, duas aljavas de flechas que
jamais se esgotavam e uma carruagem onde havia um disco de ferro para Krishna. Bhima,
o de olhos cinzentos, arrojava uma pesada clava octogonal. Yudhishthira, o de
olhos dourados, era o melhor auriga. Sahadeva, o que sabe o que é verdadeiro, e
Nakula, o que tudo descobre através da amizade, eram os melhores espadachins.
No princípio houve a amizade entre Krishna e Arjuna. Narayana conhecera
Nara há muito tempo, às margens de uma água que era leite. Arjuna lembrou-se da
alta árvore de Narayana, mas a lembrança esvaeceu-se. Krishna sorriu e abraçou
Arjuna. Todos os deuses vieram ver os dois – a alma de toda a vida e seu amigo
de outrora. Indra, o senhor dos deuses, reconheceu que ninguém pode lutar
contra eles dois juntos. Os deuses sumiram. Krishna
riu: “Bharata, ESTE é o mundo. Não há nenhum outro!”. Não existe ninguém que possa
compreender a diferença entre estes dois amigos.
No princípio houve a construção do palácio dos pandavas. Maya, o que
trouxe para Arjuna a trombeta de búzio Devadatta, manteve-se oculto e invisível
até terminar a construção. Sobre mil colunas de ouro, um edifício mágico de
mármore e pérolas. Arjuna quis saber se o
palácio era uma ilusão. Maya, o construtor, disse que não sabia. Krishna riu.
No princípio houve o desafio do jogo de dados no qual as naturezas das
personagens se revelaram. A de Arjuna era falar claramente. A de Yudhishthira
era não poder recusar um desafio. Ele não tinha medo: sucesso ou desventura
viriam, jogando ou não. Duryodhana era o que
era e seguia a sua própria natureza. Somente a insatisfação o conduzia à
felicidade.
Yudhishthira perdeu tudo que tinha para Duryodhana e os kurus. Perdeu o reino,
os irmãos, perdeu a si mesmo e perdeu Draupadi. Foi quando ela pensou em
Krishna. Antes que o pensamento estivesse plenamente formado, Krishna foi até
Draupadi, que teve suas vestes arrancadas. Mas ela trajava outra por baixo.
Esta também foi arrancada. Mas Draupadi trajava outra por baixo. Trinta mantos finos e coloridos espalharam-se pelo chão – eles nunca veriam Draupadi. O rei
cego libertou Draupadi e seus maridos. Jogou-se o último lance. O perdedor
seria banido para a floresta, obrigado a passar 12 anos em exílio. O ganhador
ficaria com todo o reino, devolvendo a metade para o perdedor quando o exílio
terminasse.
No princípio houve o exílio. Vidura descreveu a partida dos pandavas e
de Draupadi para o rei cego. Arjuna ia por último, lançando docemente grãos de
areia com as duas mãos, como haveria de lançar flechas na batalha. E porque era
a primeira no coração de todos, Draupadi, linda como a lua cheia, caminhava à
frente. Chorava e cobria o rosto com suas mãos de lótus. Lakshmi havia sido insultada em pessoa.
No princípio houve o consolo de Krishna: “Princesa Draupadi,
permaneceremos na roda da vida que gira e gira. Agora somos reis, logo passamos
uma existência na crista de uma folha de relva. Mas vivemos sempre. Nada pode
deter a roda. Quando lhe sobrevém uma felicidade, você não hesita em acreditar
que ela seja real? Então, não aceite o
infortúnio sem pô-lo à prova. Nada sabemos; ele talvez desapareça, talvez nem
seja verdadeiro”.
Fonte da imagem: circunferência e círculo