Equinócio de primavera



“Assim como uma planta produz flores, a psique cria os seus símbolos.”
Carl G. Jung, em O homem e seus símbolos.

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O equinócio e as tésseras

Hoje téssera do dia e da noite se encaixa em perfeito equilíbrio.

Hoje ao meio-dia temos um equinócio (ponto da órbita da Terra em que se registra uma igual duração do dia e da noite).

Neste dia favorável ao equilíbrio, unimos em Nossos Estudos Poéticos mais uma téssera: a frase de Jung e a foto no Khadga Devi Temple.

A frase de Jung contém uma téssera em forma de proporção; a foto, uma téssera em forma de símbolo.

Neste dia favorável às tésseras, desejamos que Nossos Estudos Poéticos possam uni-las cada vez mais em nossas vidas, equilibrando a produção de beleza e a criação de sentidos.

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A primavera e os mosaicos

O círculo é um mosaico de pedras. O mastro é um mosaico de mortes. A flor é um mosaico de pétalas. A frase de Jung é um mosaico de ideias.

Nesta primavera esperamos renovar os significados da vida, compondo e oferecendo em nosso mosaico de posts buquês de símbolos enlaçados pelas palavras.

Boas-vindas à primavera!




Poemas eleitorais I


(Outubro de 2010)
a Alexandre e Sabrina

Minha consciência
se dissipou
                        em folhetos
pelo chão ainda de outono,
espalhou-se
entre as poças
e a lama
de um tempo
úmido e frio.

Dizia minha consciência
conscientizada: ― tens o dever
de usar teus direitos!

E além de leis
            ilegíveis
            inelegíveis
deixou
pelos caminhos
meus panfletos molhados
em cujas cores
desfeitas
pairavam
            meu rosto
            partido
            e povo.


Visão de símbolo e palavra


¿  O símbolo é a pérola da linguagem, oculta sob a concha das palavras.


O Ramayana – sete livros


Sete livros dão forma ao Ramayana.

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1) O livro da infância de Rama: Viswamitra ensinou a Rama e a Lakshmana o momento oportuno para falar e a pronunciarem corretamente as palavras.

2) O livro de Ayodhya: Príncipe, não te preocupes com o futuro, pois já é muito difícil saber o que estamos fazendo neste momento.

3) O livro da floresta: Os homens, cercados pelo acaso e pelo perigo, não distinguem o certo do errado. Contempla o homem, ignorante dos próprios caminhos no mundo... Rama, os demônios não amam os homens, por isso os homens precisam amar-se uns aos outros.

4) O livro de Kishkindhya: Um companheiro neste mundo é o melhor presente para qualquer um. É um erro separar duas pessoas que se amam.

5) Sundara Kanda, o Belo Livro: Lanka é uma cidade tecida de beleza, feita pela mente de um maravilhoso sonho meio esquecido. O vento atirava os galhos floridos uns contra os outros como se os estivesse amarrando para tecer o fio de uma grinalda.

6) Livro da guerra ou das batalhas: Pela primeira vez, então, os animais conheceram que muitos morreriam ali, e ficaram calados por um momento. Lá fora, nas ruas, todos estão armados. As armas são um sinal de medo tornado visível, e nós estamos com medo. Não deixes que os usos do mundo desalentem teu coração, sendo tu um guerreiro.

7) Uttara Kanda, o último livro: Tudo é destino, tudo é mudança. O que perdura? A cada pessoa se deve dizer o que ela é capaz de compreender sobre a natureza do mundo, retorquiu Rama, e nada mais do que isso... quanto ao resto, aceita minha palavra. Rama suspirou: com efeito, é uma breve vida a do homem... mas o Sonho, o Sonho!

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Sete livros, sete passos ou sete voltas dão forma ao caminho de Rama?




Alquimistas Modernos


Convidamos o amigo do blogue Eder de Sousa Boaventura, autor de Escapadas Noturnas e Outras Paisagens, para escrever um texto com base na Canção dos filhos do crack. O resultado: uma sobreposição de surpresas.

Como diz o próprio poeta, uma “sobreposição de letra sobre som em estilo bossa nova”.

Estão sobrepostas em Alquimistas Modernos a intenção de Eder – fazer algo com a música de Tom Jobim – e a vontade de tratarmos em Nossos Estudos Poéticos do tema crack.

Neste mosaico de fragmentos sobre fragmentos, “qualquer semelhança com Águas de Março não é mera coincidência”.


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É pó, é pedra, é a droga ferina
É um resto de crak na mão da menina
É a chama do bic, é o trago, a fumaça
É a mente, é a morte, é o vício, a trapaça

É o fumo na seda, é a poeira profana
Bagulho, bagaça, é a Maria Joana
É a carreira em pó, caminho da cana
É o ministério da morte, é o engana ou esgana

É a vida vazando, é o fim da bagana

É a fibra, é o afã, vontade banana
É a rua roendo, é a face tirana
Dos filhos das drogas, é o céu a cabana


É o pé, sem o solo, é a vida mundana
Caminho sem rumo, doideira insana
É uma queda do abismo, é um voo fatal
É um salto, é um pulo, é um baque mortal

É o fundo do foço, é a droga ferina
No rosto deposto, resto de menina
É um se estrepa, num prego, por uma ponta no ponto
É um trago tragado, é a conta, é "deiz conto"

É um troco, é uma esmola, é a moeda brilhando
É o relógio tomado, é o Zé esperando
É a bolsa, é o anel, é a corrente roubada
É a alquimia inversa, é a pedra virada

É o desafeto da casa, é o corpo na pira
É o corre, é o pega, é "os tira", é "os tira"
É um laço, é uma forca, é uma prece, é vã
É a vida perdida, a heroína é vilã

São os filhos das drogas abrindo o portão
É a promessa de medo no meu coração

É quem cobra o pó, se é João ou José
Traficante é inimigo, é um tiro no pé

São os filhos das drogas abrindo o portão
É a promessa de medo no teu coração

É pó, é pedra, é a droga ferina
É um resto de crak na mão da menina
É um laço, é uma forca, é uma prece, é vã
É um são Paulo doente no divã

São os filhos das drogas abrindo o portão
É a promessa de medo no meu coração
Pé, pedra, droga, ferina
Resto, crack, mão, menina
Chama, bic, trago, fumaça, mente, morte, vício, trapaça

São os filhos das drogas abrindo o portão
É a promessa de medo no teu coração




O Ramayana - três partes


Shiva, o grande deus, dividiu este romance em três partes, uma para o céu, uma para a Terra e uma para os mundos subterrâneos. Como sobrasse uma seção, dividiu-a em três. Sobejou-lhe um verso, que ele dividiu também.”

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O príncipe de Ayodhya; O salvamento de Sita; A roda do Dharma – em três partes se divide o sumário. O andarilho, o guerreiro e o rei – três papéis Rama representa. Mais que isso: Rama é o poeta, os atores e a peça – escreve o Rei dos Demônios em sua carta.

És Narayana que se move sobre as águas, fluis através de todos nós” – escreve o rei dos demônios em sua carta para Rama. “Senhor Narayana, toma de volta a tua Sita” – diz o Senhor do Fogo a Rama. “Oh! Narayana, Lakshmi te espera [...] volta para ti mesmo, meu amigo” – leva o Tempo as palavras de Brama a Rama.

Rama é lembrado de quem ele realmente é em três circunstâncias. A terceira está na história original. A primeira e a segunda podem ser incluídas entre as partes em que o Ramayana de Buck difere do original.

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Passado, presente e futuro – em três partes se divide o tempo. Em três partes se divide o nosso tempo – nascimento, crescimento e morte. Em três partes se divide uma existência – aparecimento, evolução, destruição.

Em três partes se divide um romance – início, meio e fim. Narada pede para Valmiki compor a obra, Narayana vive a obra, Shiva divide a obra. “Shiva, o grande deus, dividiu este romance em três partes, uma para o céu, uma para a Terra e uma para os mundos subterrâneos”.

O que é este pedido que faz com que uma obra seja composta? O que é dar vida a uma obra ou o que é vivê-la? E o que é dividi-la?




Visão de metáfora e descrição


¿  A metáfora pode levar uma descrição ao extremo.


A quatro quadras daqui


Vagões tresmalham nos trilhos
Às cinco e trinta da madrugada.
Cracudos vagueiam franzinos
Marchando com sua armada.

Nos olhos navegam cascudos
Fantasmas, turvando a alvorada
Às cinco e trinta da madrugada.

Crack, crack, crack –
         Estrondo de alma quebrada
Nos trilhos, comboio que arde
Às cinco e trinta da madrugada.

         As sombras esquálidas e ocultas
Zumbem, zumbem... E estraçalham
         Os trilhos, a névoa e a noite – pra amanhecer tudo
Às cinco e trinta da madrugada.




O Ramayana – uma canção


Sou a canção de Valmiki; Valmiki me fez: Sempre verdadeiro; Só para ti” – assim canta a própria canção do Ramayana sobre si mesma.

Não havia poesia na Terra antes de Ramayana. Palavras como as cantadas no primeiro melhor poema do mundo nunca haviam sido ouvidas. O Ramayana seria a inspiração, fonte de temas aos poetas futuros, pois a história de Rama duraria para sempre no mundo. História antiga e bem-amada, feita de fábulas, maravilhas e verdade.

Ramayana é literalmente o caminho de Rama. Um longo caminho em círculo. De volta para casa, de volta para si mesmo, de volta para as primeiras palavras.

Um caminho toma a forma de uma canção, pois caminhos e canções são feitos de voltas. Lendo O Ramayana voltamo-nos para os seus primeiros ouvintes no primeiro dia do festival de Rama. E com eles também nos perguntamos: onde estamos, em que sonho? E, então, voltamos a um passado ainda mais remoto. E uma canção toma forma de caminho. Uma canção toma forma no nosso próprio caminho, cada vez mais longo, somente para voltarmos, para sabermos quem somos. Só no fim compreendemos o princípio.

Ouvindo ou lendo O Ramayana obtereis de Rama o que desejardes, mas precatai-vos! Não peçais muito pouco! Boa sorte para todos” – canta a canção que canta sobre si mesma. Cantam as palavras que se voltam sobre si mesmas. Canta a poesia.

Ramayana é o caminho encantado que a poesia abre para chegar a este mundo. Encontremos nossos caminhos, transformemos nossos caminhos em canções, cantemos sobre nossos caminhos, cantemos e caminhemos sobre nós mesmos, desejemos a poesia. E a poesia sempre voltará para nós mesmos e nós voltaremos para a poesia. E voltaremos também para casa.




Visualizar


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ossa contemplação é submarina, nossos olhos sondam a superfície.

T.S. Eliot, em Coros de “A Rocha”.


Curtir


Curtir – 1) Gozar, desfrutar, deleitar-se. 2) Preparar (couro) para torná-lo imputrescível. 3) Preparar alimento, pondo-o de molho em líquido adequado. 4) Tornar rijo, são, saudável (uma pessoa), expondo-a ao sol, ao ar livre. 5) Queimar, enrijecer (a pele). 6) Padecer, sofrer, suportar. 7) Sofrer os efeitos de. De origem incerta; possivelmente do latim vulgar corretrire < retrire < reterere: desgastar pelo atrito. (Adaptado do Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa)

Curtir – De origem controvertida. Curtição – século XX. (Adaptado do Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa)

CurtirSentir, experimentar prazer, saborear, apreciar [em fruição – prazer físico]. Lustrar, polir, afiar, amolar, dar corda, surrar, treinar, acostumar, adestrar, aguçar os dentes, abrir a porta a (facilitar) [em preparação]. Aguentar, tolerar, aturar, morrer de, conhecer por experiência, afrontar, desafiar, resistir a [em sentimento]. Insensibilizar, calejar, anestesiar, embebedar, petrificar, ossificar, embotar, adormecer, embrutecer, apatizar, estupidificar, bestializar, brutalizar, entorpecer, paralisar, amortecer, habituar, familiarizar, marmorizar, endurecer, encouraçar, cauterizar, encrostar [em desinteresse]. Divertir, distrair-se, aproveitar, entreter-se, matar o tempo [em divertimento]. (Adaptado do Dicionário Analógico da Língua Portuguesa)


Ler


LER É ACESSAR A INTELIGÊNCIA DO OUTRO. É ASSIMILAR AS LEIS E RELAÇÕES QUE O OUTRO CONSEGUIU PRODUZIR.

LER POETICAMENTE É, A PARTIR DAS RELAÇÕES ESTABELECIDAS PELA INTELIGÊNCIA DO OUTRO, CRIAR IRRESISTIVELMENTE AS PRÓPRIAS LEIS E RELAÇÕES.


Visualizar


Visualizar – 1) Tornar visível, mediante manobra ou procedimento. 2) Formar ou conceber uma imagem visual mental de (algo que não se tem ante os olhos no momento). Visual: aparência, aspecto, vista, panorama. Sufixo verbal –izar: indicador de ação causativa, factitiva – do latim factitare, fazer muitas vezes. Esse sufixo pode indicar ação que deve ser praticada ou dar certa qualidade a uma coisa. (Adaptado do Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa e da Moderna Gramática Portuguesa de Evanildo Bechara)

Visualizar – Visual. Do lat. tardio visualis. Século XVI. Sufixo –izar: do latim izare. (Adaptado do Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa)

Visualizar – Imaginar, visionar, arquitetar, idear, figurar, poetizar, criar, produzir, inventar, supor, cogitar, voar, devanear [em imaginação]. (Adaptado do Dicionário Analógico da Língua Portuguesa)