Alquimistas Modernos


Convidamos o amigo do blogue Eder de Sousa Boaventura, autor de Escapadas Noturnas e Outras Paisagens, para escrever um texto com base na Canção dos filhos do crack. O resultado: uma sobreposição de surpresas.

Como diz o próprio poeta, uma “sobreposição de letra sobre som em estilo bossa nova”.

Estão sobrepostas em Alquimistas Modernos a intenção de Eder – fazer algo com a música de Tom Jobim – e a vontade de tratarmos em Nossos Estudos Poéticos do tema crack.

Neste mosaico de fragmentos sobre fragmentos, “qualquer semelhança com Águas de Março não é mera coincidência”.


¿ !


É pó, é pedra, é a droga ferina
É um resto de crak na mão da menina
É a chama do bic, é o trago, a fumaça
É a mente, é a morte, é o vício, a trapaça

É o fumo na seda, é a poeira profana
Bagulho, bagaça, é a Maria Joana
É a carreira em pó, caminho da cana
É o ministério da morte, é o engana ou esgana

É a vida vazando, é o fim da bagana

É a fibra, é o afã, vontade banana
É a rua roendo, é a face tirana
Dos filhos das drogas, é o céu a cabana


É o pé, sem o solo, é a vida mundana
Caminho sem rumo, doideira insana
É uma queda do abismo, é um voo fatal
É um salto, é um pulo, é um baque mortal

É o fundo do foço, é a droga ferina
No rosto deposto, resto de menina
É um se estrepa, num prego, por uma ponta no ponto
É um trago tragado, é a conta, é "deiz conto"

É um troco, é uma esmola, é a moeda brilhando
É o relógio tomado, é o Zé esperando
É a bolsa, é o anel, é a corrente roubada
É a alquimia inversa, é a pedra virada

É o desafeto da casa, é o corpo na pira
É o corre, é o pega, é "os tira", é "os tira"
É um laço, é uma forca, é uma prece, é vã
É a vida perdida, a heroína é vilã

São os filhos das drogas abrindo o portão
É a promessa de medo no meu coração

É quem cobra o pó, se é João ou José
Traficante é inimigo, é um tiro no pé

São os filhos das drogas abrindo o portão
É a promessa de medo no teu coração

É pó, é pedra, é a droga ferina
É um resto de crak na mão da menina
É um laço, é uma forca, é uma prece, é vã
É um são Paulo doente no divã

São os filhos das drogas abrindo o portão
É a promessa de medo no meu coração
Pé, pedra, droga, ferina
Resto, crack, mão, menina
Chama, bic, trago, fumaça, mente, morte, vício, trapaça

São os filhos das drogas abrindo o portão
É a promessa de medo no teu coração