1984

Enquanto lia 1984, várias pessoas vieram falar comigo sobre o livro. Eu me surpreendi com a popularidade de George Orwell. Todos queriam dar a sua opinião sobre o livro, contar a sua leitura, fazer uma associação com a realidade, recomendar outras leituras (Admirável mundo novo principalmente). Todos me perguntaram por que eu estava lendo 1984. E eu respondi que era porque eu gostava de literatura. Notei que alguns esperavam uma resposta mais política.

O que primeiro me chamou atenção foi que o livro não tinha uma narrativa no início. E como poderia haver uma história em um livro sobre uma época em que as pessoas viviam sem passado, sem memória, sem registros, provas ou consciência? Nem futuro havia, havia apenas uma repetição do mesmo. E a leitura segue por páginas e mais páginas de descrição.

Dentre as descrições, o que me chamou atenção foi a descrição da Novilíngua, uma língua inventada a partir da diminuição do vocabulário. A Novilíngua simplificava a linguagem ao mínimo necessário, desprezava os sinônimos para que cada coisa só pudesse ser dita de uma única maneira por qualquer pessoa. A Novilíngua, em vez de ampliar o pensamento, reduzia-o. Seria uma língua contrária à poesia.

Orwell cria novas palavras para poder expressar o pensamento de 1984. Vejamos algumas. Crimedeter é a faculdade de paralisar por instinto, no limiar, qualquer pensamento perigoso. Inclui o poder de não perceber analogias, de não conseguir observar erros de lógica e de se aborrecer por qualquer pensamento que possa tomar rumo herético. Negrobranco é a capacidade de afirmar que o negro é branco quando exigido, acreditar que o preto é branco, saber que o preto é branco, acreditar que jamais se imaginou o contrário. Duplipensar é a capacidade de guardar simultaneamente na cabeça duas crenças contraditórias, e aceitá-las ambas.

Tamanha contradição de pensamento permite a aceitação de afirmativas como guerra é paz, liberdade é escravidão e ignorância é força, e impede a afirmação de que dois e dois são quatro. E me faz pensar sobre a esterilidade e o caos que há no pensamento contraditório de um vocabulário reduzido e o poder de criação que há na antítese e no paradoxo poético.

Janeiro é mês de Big Brother Brasil. A vigilância constante é outro aspecto interessante do livro e se traduziu bem em um programa televisivo. O grande irmão realmente zela por nós.