Diante da morte o homem cala. A natureza não. Isso já é linguagem. Antes mesmo de haver fala sobre qualquer coisa, antes mesmo de haver voz ou articulação de qualquer som compreensível, isso é linguagem. Todos se entendem pelo silêncio. E aqui o homem inicia o seu caminho para se tornar humano.
A visão tem dono. Rosenstock fala:
“Quando falamos de túmulos em vez de mortes, já estamos comprometidos com tal inversão da ordem "natural", decretada pelo homem no instante mesmo em que usou pela primeira vez a linguagem formal. O funeral não é uma adaptação à natureza. É uma revolução completa, para além e longe da natureza, revolução que institui o conhecimento recíproco, uma irmandade de homens, algo totalmente desconhecido no mundo animal”.
Fala: “Dissemos que o túmulo se transforma no útero do tempo, e que a origem da linguagem é o discurso da origem” e “o enterro é um segundo nascimento [...]”.
E por fim, fala: “A linguagem faz transpor o caos da natureza, as contendas entre meros indivíduos, sua falta de continuidade e liberdade. Na natureza, todo e qualquer espécime nasce e morre sozinho. Cada coisa é necessária. O destino prevalece. A linguagem cria paz, ordem, continuidade e liberdade. Expandindo a noção da vida, dá ao homem uma função e uma parte da vida, e ele livra-se de considerar a si mesmo medida da vida”.
É o que vemos num enterro. Os homens se dispõem solenemente em torno do corpo em que um dia a vida morou. Os homens solenemente calam. E choram.
Mas os pássaros, os cavalos, as vacas, as borboletas e as flores não param. Mostram que a vida continua potente. Neles a morte é natural.
Mas no homem não. O ser humano cria a própria natureza. Cria a fala e cria o silêncio. Silêncio que, nesses instantes tumulares, simplesmente diz tudo.