Os gêneros literários – o Tempo

Os gêneros narrativos se diferenciarão em espécies de acordo com seus modos de temporalidade. Esses modos são expressos basicamente através de tempos verbais.

As duas principais modalidades de tempo são definidas pelas duas formas de quantidade: continuada e descontinuada. Quase todas as línguas antigas apresentam essa divisão.

A forma continuada expressa o prosseguimento da ação verbal sem referência a qualquer momento específico, sendo uma espécie de “presente contínuo" que fala de uma ação mais ou menos perene ou cíclica. A forma descontinuada expressa a ação verbal fixada em um momento de cada vez.

O Tempo triplo – uma referência

A doutrina tradicional do “tempo triplo” é necessária para entender essas propriedades das línguas antigas e suas conseqüências para a teoria de gêneros.

O mais importante é a eternidade, a completa inexistência de tempo ou qualquer tipo de fluxo, a simultaneidade absoluta de todos os momentos.

Na outra extremidade, no nível dos seres particulares e sensíveis, há temporalidade, o fluxo permanente e irreversível de acontecimentos individuais que não são repetidos. O passado não volta; é a esfera da necessidade e do destino, o reino do factum.

Entre essas duas zonas – eternidade e temporalidade –, há uma zona interposta de tempo cíclico. É a esfera da perenidade, o mundo intermediário de imagens arquetípicas, o mundus imaginalis, onde elas vivem e se movem de acordo com as leis do eterno retorno dos seres míticos.

O gênero narrativo

Estruturalmente, a narrativa deve expressar perenidade ou temporalidade – no princípio ou na regra estabelecida.

O que é eterno está acima da possibilidade de ser narrado, ou só pode ser narrado pela mediação de sua imagem na perenidade.

A primeira divisão dos gêneros narrativos é aquela existente entre as narrativas factuais e as narrativas simbólicas.

Narrativas factuais expressam o que já aconteceu, já está terminado e não pode voltar. Narrativas simbólicas expressam eventos que, embora possam ser metaforicamente colocados no passado, na realidade representam possibilidades destinadas a serem atualizadas.

A narrativa factual

A narrativa factual compreende, assim, todos os fatos que, pertencentes à ordem da temporalidade e da irreversibilidade, são narrados como tais. Isso inclui as obras de testemunho, crônicas e memórias, bem como trabalhos de História propriamente. A diferença entre memórias e trabalhos de História é a interferência do fator espacial, o ponto de vista do narrador.

A narrativa simbólica

As espécies narrativas simbólicas também são divididas de acordo com a continuidade e com a descontinuidade, o concluído e o não concluído.

A espécie não concluída é o drama, que, apesar de narrar uma ação metaforicamente colocada no passado, reproduz a ação no presente por meio da atuação dos atores no palco.

A modalidade concluída é o que chamamos épico, ou corretamente narrativa (mito, lenda, romance, etc), que não reproduz a ação no presente, mas simplesmente a evoca ou a narra como ação passada.

O drama

As espécies do drama também são divididas de acordo com o concluído e o não concluído.

A subespécie concluída reporta-se ao factum, o tempo que se desenvolve na direção da concatenação irreversível de causas e consequências: é a tragédia, comemorando a vitória da necessidade e do destino sobre o homem.

Quando, ao contrário, a cadeia de factum pode ser quebrada pela Providência, devolvendo ao homem possibilidades primitivas que seriam perdidas sob o efeito da irreversibilidade, temos as subespécies de comédia (*).

(*) Nota do autor: Nós não vemos nenhuma necessidade de aprofundar na essência de cada gênero particular, pois este não é o objetivo do nosso trabalho, nós só pretendemos mostrar o fundamento ontológico da própria ideia de gêneros.

O épico

Da mesma forma, narrativa concluída ou épico são divididos de acordo com a modalidade de tempo que os informa.

As subespécies míticas expressam eventos que ocorreram “naquele tempo", isto é, no tempo mítico da perenidade e do mundus imaginalis. Esse é o tempo real das narrativas bíblicas e corânicas, bem como o dos mitos gregos.

No outro extremo, temos a espécie romanesca (romances e contos), que é definitivamente delimitado pela temporalidade mundana (não importa o quão criativo é o tratamento técnico que o narrador dá ao tempo).

Entre ambas, podemos admitir uma espécie intermediária, composta por jogos e lendas, que, lidando essencialmente com a divinização de um herói humano, estabelece uma ponte entre a temporalidade e a perenidade.

Romances de conteúdo "iniciático" são, evidentemente, susceptíveis de oferecer dificuldades para a classificação, hesitando entre o romanesco e o lendário. O que é melhor, em quase todos os casos, é chamá-los lendas disfarçados de romances.

O nosso Tempo

O enorme desenvolvimento das espécies romanescas na idade moderna, paralelo à retração das lendas, é um sinal da perda progressiva do sentido da perenidade da nossa civilização. Essa perda ocorre concomitantemente à perda de compreensão simbólica do universo em favor de uma experiência mais mundana.


“Os gêneros literários, a rigor, são realidades arquetípicas:
a dificuldade em ver está no sujeito e não no objeto”
(Os gêneros literários: seus fundamentos metafísicos. O. de Carvalho)


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