A Terra... Assemelha-se a
uma negra dançarina
vestida de carmim...
Quem morreu aqui?
Quem cometeu assassinato?
Na véspera
Vyasa descreveu a planície dos Kurus para o rei cego que estava junto
com Sanjaya: “Duas grandes cidades feitas de tendas de seda, uma diante da
outra, no grande campo vazio. Corvos negros grasnam ‘Vá!’. Um círculo negro
rodeia o sol. À noite, todas as estrelas são hostis. Os rios invertem seus
cursos. As vacas ordenhadas só dão sangue. As estátuas dos deuses gargalham e
estremecem. Crianças lutam com clavas de madeira. Os canalhas e assassinos
cantam e dançam. Isso é medo e o mal
sobrepondo-se ao mal”.
Depois Vyasa concedeu visão celestial a Sanjaya.
Sanjaya ficou cinco dias e cinco noites em Kurukshetra. Retornou após
a aurora do 6º dia, dizendo: “Está tudo acabado. Não há como contar tudo.
Minhas palavras soam estranhas e muito, muito distantes”.
No 1º dia
Krishna entoou um cântico para seu amigo Arjuna – o Cântico do Senhor.
Os bardos e menestréis, sentados ao longo do Kurukshetra, compunham versos e
canções da grande guerra dos Bharatas. Guerreiros bradavam, anunciando seus
nomes. Vestiam uniformes, portavam estandartes, orientavam-se por senhas e
sinais. As setas eram atraídas por seus alvos. Krishna
gritou para Arjuna: “Não tema! Atire nele!”.
No 2º dia
Duryodhana
viu que as obras de Arjuna estavam além do que se podia conhecer. O grande guerreiro kuru Bhishma
tombou de sua carruagem. Seu corpo não tocou a Terra porque estava cheio de
setas. A lua concedeu aos mortos seus corpos celestiais.
No 3º dia
O guerreiro Susarman, que lutava pelos kurus, ao ver ser tolice
combater Arjuna pela ilusão, caiu aos pés de Krishna e perguntou: “Senhor, o que é esta guerra?”.
Krishna disse a Arjuna: “Não chore, pois as lágrimas queimam os mortos
com seu fogo líquido”.
O guerreiro kuru Drona foi atingido mortalmente por uma mentira quando
estava desarmado. “Vergonha para os que desconhecem o que é ser guerreiro”,
pensou Arjuna. Quis o filho de Drona se vingar usando a arma de Narayana: dez
mil flechas e dez mil dardos em chama, cem mil espadas, clavas e machados, um
milhão de rodas afiadas e pesadas bolas de ferro caíram sobre as tropas dos pandavas.
Krishna e Arjuna desarmaram seu próprio exército, dizendo para que niguém
pensasse em guerra. Todos deitaram-se no chão com o coração em paz. Com isso, a
arma de Narayana fracassou e o filho de Drona se perguntou na noite: “Ah, será tudo mentira?”.
No campo de batalha, cadáveres decapitados tateavam em busca dos
assassinos. Os guerreiros kurus já não viam mais sua juventude, nem mesmo a
primavera daquele ano. mas Duryodhana ainda acreditava que o destino podia
mudar a qualquer momento e se perguntava: “Por
que deve haver restrições sobre quem quer que seja? Por que não se há de ser
livre para fazer o que se quer?”.
No 4º dia
Os deuses chegaram para observar a batalha.
O guerreiro Karna, que lutava pelos kurus, cortou a corda do arco de
Arjuna e lançou o dardo de Indra contra a cabeça dele. Krishna fincou o pé no
chão. A quadriga de Arjuna afundou na Terra. O dardo atingiu a coroa de Arjuna,
partindo-a. Arjuna lançou uma flecha contra Karna, que caiu com a cabeça
decepada. Jamais considerou que a arma de Indra pudesse falhar. Por isso, não
se protegeu.
Duryodhana chorou a perda do amigo e se lembrou do jogo de dados e de
Draupadi. “Ela jamais me perdoará”, pensou. Yudhishthira se perguntou olhando
para Karna: “Quem era ele?”.
Os deuses se foram. A vitória deixou os kurus para sempre.
No 5º dia
Quando o sangue selou o pó da Terra, as mulheres se tornaram viúvas.
Sanjaya sentiu o perfume das Apsaras e lamentou não haver ninguém para matar em
oferecimento a elas. O fascínio da guerra fez com que ele entrasse em transe. Todas as leis da guerra foram quebradas. Aurigas e animais eram mortos, guerreiros não mais anunciavam seus nomes, já nem mais sabiam se suas vítimas eram amigos
ou inimigos. E essas eram questões muito ínfimas, para as quais não havia
tempo. Sanjaya
estava prestes a ser morto, mas Krishna libertou-o.
Duryodhana desapareceu na floresta. Ele é a alma da ilusão. Diz que os
livros em tudo divergem, que os homens discutem e a nada chegam e que a verdade
está oculta em cavernas. Krishna já não queria mais ver a vida sendo derramada.
Duryodhana sofreu um golpe baixo de Bhima. Como um homem combateria seus cinco
sentidos, Duryodhana combateu os pandavas. E por isso perdeu.
Na aurora do 6º dia
Enquanto os guerreiros dos exércitos dos pandavas dormiam, o filho de
Drona entrou nas tendas, esganando e estrangulando os inimigos com as próprias
mãos, e depois com a espada. “Quem vive ainda?”. Houve silêncio antes e depois do
filho de Drona fazer a sua pergunta.
As últimas palavras de Duryodhana foram para o filho de Drona:
“Assassinou inocentes e deixou meus inimigos vivos. Basta. Eu quase venci”.
Duryodhana morreu ao amanhecer. E Sanjaya perdeu sua visão celestial.