6) O Mahabharata – No entremeio, a guerra




A Terra... Assemelha-se a
uma negra dançarina vestida de carmim...
Quem morreu aqui?
Quem cometeu assassinato?


Na véspera

Vyasa descreveu a planície dos Kurus para o rei cego que estava junto com Sanjaya: “Duas grandes cidades feitas de tendas de seda, uma diante da outra, no grande campo vazio. Corvos negros grasnam ‘Vá!’. Um círculo negro rodeia o sol. À noite, todas as estrelas são hostis. Os rios invertem seus cursos. As vacas ordenhadas só dão sangue. As estátuas dos deuses gargalham e estremecem. Crianças lutam com clavas de madeira. Os canalhas e assassinos cantam e dançam. Isso é medo e o mal sobrepondo-se ao mal”.

Depois Vyasa concedeu visão celestial a Sanjaya.

Sanjaya ficou cinco dias e cinco noites em Kurukshetra. Retornou após a aurora do 6º dia, dizendo: “Está tudo acabado. Não há como contar tudo. Minhas palavras soam estranhas e muito, muito distantes”.


No 1º dia

Krishna entoou um cântico para seu amigo Arjuna – o Cântico do Senhor. Os bardos e menestréis, sentados ao longo do Kurukshetra, compunham versos e canções da grande guerra dos Bharatas. Guerreiros bradavam, anunciando seus nomes. Vestiam uniformes, portavam estandartes, orientavam-se por senhas e sinais. As setas eram atraídas por seus alvos. Krishna gritou para Arjuna: “Não tema! Atire nele!”.


No 2º dia

Duryodhana viu que as obras de Arjuna estavam além do que se podia conhecer. O grande guerreiro kuru Bhishma tombou de sua carruagem. Seu corpo não tocou a Terra porque estava cheio de setas. A lua concedeu aos mortos seus corpos celestiais.


No 3º dia

O guerreiro Susarman, que lutava pelos kurus, ao ver ser tolice combater Arjuna pela ilusão, caiu aos pés de Krishna e perguntou: “Senhor, o que é esta guerra?”.

Krishna disse a Arjuna: “Não chore, pois as lágrimas queimam os mortos com seu fogo líquido”.

O guerreiro kuru Drona foi atingido mortalmente por uma mentira quando estava desarmado. “Vergonha para os que desconhecem o que é ser guerreiro”, pensou Arjuna. Quis o filho de Drona se vingar usando a arma de Narayana: dez mil flechas e dez mil dardos em chama, cem mil espadas, clavas e machados, um milhão de rodas afiadas e pesadas bolas de ferro caíram sobre as tropas dos pandavas. Krishna e Arjuna desarmaram seu próprio exército, dizendo para que niguém pensasse em guerra. Todos deitaram-se no chão com o coração em paz. Com isso, a arma de Narayana fracassou e o filho de Drona se perguntou na noite: “Ah, será tudo mentira?”.

No campo de batalha, cadáveres decapitados tateavam em busca dos assassinos. Os guerreiros kurus já não viam mais sua juventude, nem mesmo a primavera daquele ano. mas Duryodhana ainda acreditava que o destino podia mudar a qualquer momento e se perguntava: “Por que deve haver restrições sobre quem quer que seja? Por que não se há de ser livre para fazer o que se quer?”.


No 4º dia

Os deuses chegaram para observar a batalha.

O guerreiro Karna, que lutava pelos kurus, cortou a corda do arco de Arjuna e lançou o dardo de Indra contra a cabeça dele. Krishna fincou o pé no chão. A quadriga de Arjuna afundou na Terra. O dardo atingiu a coroa de Arjuna, partindo-a. Arjuna lançou uma flecha contra Karna, que caiu com a cabeça decepada. Jamais considerou que a arma de Indra pudesse falhar. Por isso, não se protegeu.

Duryodhana chorou a perda do amigo e se lembrou do jogo de dados e de Draupadi. “Ela jamais me perdoará”, pensou. Yudhishthira se perguntou olhando para Karna: “Quem era ele?”.

Os deuses se foram. A vitória deixou os kurus para sempre.


No 5º dia

Quando o sangue selou o pó da Terra, as mulheres se tornaram viúvas. Sanjaya sentiu o perfume das Apsaras e lamentou não haver ninguém para matar em oferecimento a elas. O fascínio da guerra fez com que ele entrasse em transe. Todas as leis da guerra foram quebradas. Aurigas e animais eram mortos, guerreiros não mais anunciavam seus nomes, já nem mais sabiam se suas vítimas eram amigos ou inimigos. E essas eram questões muito ínfimas, para as quais não havia tempo. Sanjaya estava prestes a ser morto, mas Krishna libertou-o.

Duryodhana desapareceu na floresta. Ele é a alma da ilusão. Diz que os livros em tudo divergem, que os homens discutem e a nada chegam e que a verdade está oculta em cavernas. Krishna já não queria mais ver a vida sendo derramada. Duryodhana sofreu um golpe baixo de Bhima. Como um homem combateria seus cinco sentidos, Duryodhana combateu os pandavas. E por isso perdeu.


Na aurora do 6º dia

Enquanto os guerreiros dos exércitos dos pandavas dormiam, o filho de Drona entrou nas tendas, esganando e estrangulando os inimigos com as próprias mãos, e depois com a espada. “Quem vive ainda?”. Houve silêncio antes e depois do filho de Drona fazer a sua pergunta.

As últimas palavras de Duryodhana foram para o filho de Drona: “Assassinou inocentes e deixou meus inimigos vivos. Basta. Eu quase venci”. Duryodhana morreu ao amanhecer. E Sanjaya perdeu sua visão celestial.