Absurdos do Livro do Desassossego


Aos leitores deste mosaico atraídos pela tessela do absurdo, seguem outros tantos do L. do D.:

23. Absurdo

296. A mania do absurdo e do paradoxo é a alegria animal dos tristes. Como o homem normal diz disparates por vitalidade, e por sangue dá palmadas nas costas de outros, os incapazes de entusiasmo e de alegria dão cambalhotas na inteligência e, a seu modo, fazem os gestos da vida.

297. A reductio ad absurdum é uma das minhas bebidas predilectas.

371. Apoteose do absurdo

Falo a sério e tristemente; este assunto não é para alegria, porque as alegrias do sonho são contraditórias e entristecidas e por isso aprazíveis de uma misteriosa maneira especial.

Sigo às vezes em mim, imparcialmente, essas coisas deliciosas e absurdas que eu não posso poder ver, porque são ilógicas à vista – pontes sem donde nem para onde, estradas sem princípio nem fim, paisagens invertidas – o absurdo, o ilógico, o contraditório, tudo quanto nos desliga e afasta do real e do seu séquito disforme de pensamentos práticos e sentimentos humanos e desejos de acção útil e profícua. O absurdo salva de chegar a pesar de tédio aquele estado de alma que começa por se sentir a doce fúria de sonhar.

E eu chego a ter não sei que misterioso modo de visionar esses absurdos – não sei explicar, mas eu vejo essas coisas inconcebíveis à visão.


Absurdemos a vida, de leste a oeste.