Uma qualidade é uma abstração, um silêncio. Em uma história, a
qualidade pode ganhar a forma de uma personagem. Em uma personagem, ela pode
ganhar nomes e epítetos. Se a história ganhar a forma de um texto, essa
qualidade pode ganhar a forma de uma descrição. Em uma descrição, ela pode
ganhar a forma de uma palavra. Pode ser um substantivo abstrato, um adjetivo ou
até mesmo um verbo se a qualidade atingir seu objetivo – existir através da ação
da história. É a linguagem em sua função de colaborar para o desenvolvimento
das qualidades. Talvez seja esse o momento em que se realiza a metáfora citada
por J. C. Ismael em seu prefácio: as palavras se transformam nos veículos para
alcançarmos o reino mágico do silêncio e do indescritível em nosso dia a dia.
Que
qualidades podemos encontrar na grande história dos Bharatas?
B. A. Van Nooten introduz o livro dizendo que santi é o principal sentimento da narrativa. Ele traduz a palavra
sânscrita como serenidade. Nós podemos traduzi-la como paz. Sim:
um livro sobre guerra contém a luta e a paz a fim de que a téssera esteja completa.
Porque não se trata de uma guerra qualquer. Como diz Ismael, trata-se de uma
guerra na qual os guerreiros são deificados, de uma guerra que é uma vida
iniciática. Em nosso Mahabharata essa
iniciação é marcada pelas questões que os próprios guerreiros fazem no campo de
batalha. E onde mais poderiam tais questões aparecer?
Encontramos uma outra qualidade, esta citada pelo próprio William Buck
em seu prefácio – a verdade. O autor reconhece que fez várias
mudanças no seu Mahabharata. Ele
inclusive diz ter alterado as características das personagens como recurso para
atualizar a história. Mas, como a verdade, por ser uma qualidade, está para além do plano dos fatos, ele diz que suas alterações não interferem na verdade
da história. A narrativa transmite ainda o espírito do épico. E o que é o
espírito do épico senão a sua própria verdade?
Um livro de guerra é ainda muito útil para nos falar da amizade. Quem são nossos amigos, quem são nossos inimigos? Com quem lutamos e
contra quem? A grande inspiração de Buck para realizar a sua obra foi a amizade
entre Krishna e Arjuna. O autor encantou-se com os laços que unem as duas
personagens através das voltas do tempo cíclico. Uma amizade que é visível a
uma das personagens e oculta à outra.
Lendo o livro podemos ainda encontrar o amor que nós mesmos podemos sentir pelas
personagens. É quando as qualidades já não mais precisam de metáforas,
palavras, descrições, nomes, epítetos, textos, pois nós já as encontramos. Buck
nos lembra de que até mesmo o difícil Duryodhana merece o nosso respeito, caso queiramos compreender o significado da história da vida.
O nosso Mahabharata, assim
como o de Buck, assim como tantos outros, esperam pelas leituras. Não no
sentido do desejo, mas no sentido da espera mesmo. Livros esperam. Blogues esperam. Enquanto as qualidades vão sendo desenvolvidas.